Fabrício Rocha, Alagoinhas.
e André Maciel, Irecê.
O
intervalo histórico compreendido entre os anos 1950 e final dos anos 1970 foi
caracterizado por uma quase que absoluta estabilidade dos padrões de acumulação
do capital. A gestão capitalista ficou sob a responsabilidade do keynesianismo
e suas variantes nacionais e periféricas em consonância simbiótica com o regime
de acumulação fordista. A intervenção do Estado na economia, o pacto social
estabelecido entres as classes sociais, ou mais especificamente entre suas direções
políticas e sindicais, associados a uma estrutura produtiva calcada na rigidez
da divisão social do trabalho, produção em massa e de produtos padronizados
garantiram os chamados “anos dourados” do capitalismo.
Evidentemente
que a totalidade desse processo aconteceu de forma desigual e combinada. O
fordismo periférico, típico de países da America Latina, como o Brasil, a
Argentina e o México, foi um fenômeno tardio e devido a isso apresenta
particularidades determinantes na explicação dos atuais formatos econômicos e
políticos da nossa realidade. Diferentemente do fordismo implementado na Europa
e nos EUA – ancorado na extração de mais-valia relativa sustentado pelo
incremento tecnológico – o fordismo periférico se organizou pelo viés da
extração do mais valor absoluto, uma vez que os regimes autoritários
inviabilizaram as mobilizações da classe trabalhadora e, por consequência, esta
não se apropriou dos ganhos de produtividade, acarretando como corolário
arrochos salariais e deterioração das condições de trabalho e da qualidade de
vida. A estrutura de nossas economias, a exemplo da brasileira, foi marcada por
plantas produtivas obsoletas, altamente poluidoras, baixo dinamismo
tecnológico, sistema fundiário baseado na concentração de terras e no
latifúndio, sistema tributário beneplácito para com os setores mais ricos da
sociedade, uma gestão autoritária e burocratizada do Estado e, por fim, uma
dependência econômica que vem subjugando a totalidade dos países latinos americanos
e que possui o endividamento público como seu elemento primordial.
No
Brasil, esse cenário produziu uma esfera política e social bastante
convulsionada. A classe trabalhadora e os estratos subalternos, principalmente
no período de crise do regime militar, passaram a se movimentar com mais
intensidade e uma onda contestatória invadiu o país abalando o regime igual a
um tsumani devastador cujas expressões políticas e sindicais mais relevantes e
que se formaram no seio dos trabalhadores foram o PT e a CUT.
Produto
das greves metalúrgicas do ABC paulista e da reorganização política da classe
trabalhadora por todo o país, o PT nascia com um formato e programa
eminentemente antirregime, popular e comportava nas fileiras mais radicais um
forte discurso socialista com teor revolucionário. Neste momento específico, o
PT concentrava o que existia de melhor e progressista entre os ativistas
sociais e sindicais. Uma afluência de organizações e movimentos sociais se
somaram para preencher o vazio de representatividade política existente e para
se contrapor ao reformismo pecebista e ao sindicalismo pelego umbilicalmente
associado ao regime militar e à burguesia nacional.
Após
uma década de intensas mobilizações, greves e avanços no âmbito da consciência
política da classe trabalhadora, a passagem dos anos 1980 para os anos 1990
materializou mudanças trágicas na organização partidária e sindical no Brasil.
No plano interno houve o refluxo do movimento de massas associado à derrota da
frente popular nas eleições de 1989 e no plano externo, a queda do muro de
Berlim e do “socialismo” soviético, bem como a reestruturação produtiva em
escala global que emergiu em concomitância à onda neoliberal.
O neoliberalismo, aplicado no Brasil com um
grau de selvageria que só merece analogia com sua implementação na vizinha
Argentina, ampliou a dependência econômica do país e agravou seus problemas
sociais a partir de uma receita que teve como substrato a privatização, os
juros altos, a abertura comercial e o esforço colossal para o cumprimento das
metas de superávit fiscal. Seus resultados mais reluzentes foram o desemprego,
a desindustrialização e a ampliação da dívida pública. De fato, a década
perdida para os trabalhadores (os anos 1990), dominada pelo Consenso de
Wasghinton, representou uma voraz desconstrução do PT enquanto agremiação
progressista. O distanciamento das lutas sociais e o mergulho inconsequente no
mar tenebroso do financiamento empresarial de campanha levou o partido a uma
crescente perda de organicidade e a uma capitulação vergonhosa ao pragmatismo
eleitoral comum a todos os partidos burgueses.
A consolidação do ideário
neoliberal traz como consequência um esgotamento político da hegemonia burguesa
representada pelos partidos de direita convencionais. O nível de insatisfação
contra o regime/ governo capitaneado por FHC chega ao seu ápice no movimento de
massas do FORA FHC e FMI. Nesse momento, percebe-se uma disposição concreta por
parte da população em ir às ruas e repetir o mesmo protagonismo do que foram as
Diretas e o Fora Collor. A legalidade burguesa precisava de um novo gestor, e
não havia partido melhor para cumprir essa missão do que o PT. Nesse aspecto,
cabe salientar que a adaptação do PT à instituicionalidade da ordem burguesa e
o seu compromisso com os contratos internacionais e com a propriedade privada
dos meios de produção coroam a primeira morte simbólica do Partido dos
Trabalhadores enquanto instrumento político de transformação radical da
sociedade brasileira. No entanto, esse transformismo também é marcado por um
fenômeno político devastador: paralelamente percebe-se o surgimento e
consolidação da figura do “Bonaparte a brasileira”, o Lulismo enquanto
expressão do máximo culto da personalidade, a figura do dirigente
inquestionável que está acima de tudo e todos, o elemento necessário para
consolidar o pacto social entre as classes fundamental para manter o regime
intacto e garantir a reprodução do capital sem quaisquer imprevistos.
Forma-se um consenso
entre considerável parcela das diversas frações burguesas que vão do
agronegócio às finanças em torno da defesa do PT como o grande achado do
capitalismo para gerir o Estado Burguês e buscar uma saída por dentro do regime
para a crise econômica e política produzida por anos de devastação neoliberal.
No início do Governo
petista a partir de 2003, no bojo da financeirização, que desponta como cerne
da acumulação do capital, o lulismo se configura como uma regulação do capital
que contempla prioritariamente demandas da fração financeira. Para tanto, houve
o estabelecimento de uma política econômica ortodoxa assentada nos juros altos
e na obediência fiel ao pagamento da dívida pública. Entretanto, esse mesmo
período é marcado pelo crescimento econômico mundial, pela valorização dos
preços das comodities e pela significativa participação da demanda chinesa,
refletindo positivamente na nossa balança de pagamentos com a entrada de
vultosa soma de recursos. Tais fatores, somados a alguns elementos de política
nacional, como a expansão do crédito e a reconfiguração da distribuição da
renda no mundo do trabalho com a valorização constante do salário mínimo,
permitiram à gestão petista beneficiar a vários senhores ao mesmo tempo, ainda que
de forma desigual.
Inevitavelmente se produz
um cenário de relativa estabilidade social e melhora de vários indicadores
sociais, embora a metodologia para o cálculo desses números tenha sido
prontamente questionada pelos seus críticos mais radicais. Essa conjuntura trouxe uma sensação de bem-estar e
resultou em índices positivos de aprovação do governo do PT. Para agradar a
fração do agronegócio forjou-se tanto um robusto sistema de crédito – via,
sobretudo, o plano safra – como o controle do maior movimento social de luta
pela reforma agrária, o MST, através da cooptação de lideranças para o aparelho
estatal.
No entanto, a essência do
modelo do programa econômico petista permanece tão neoliberal quanto o PSDB.
Até mesmo o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi pensando numa
lógica privatizante das PPPs (Parceria Públicas e Privadas). Praticamente todos
os investimentos em infraestrutura, por parte do governo federal, foram
acompanhados por leis ou medidas provisórias que entregavam à gestão privada
esses empreendimentos.
A crise financeira de
2008 marca o início do esgotamento do pacto social mediado pelo PT. Apesar de
que, no discurso petista, só haver espaços para os supostos feitos históricos
de seus governos, percebe-se que o PT não conseguiu concretizar, ao menos nem
iniciar, nenhuma mudança radical nas estruturas da nossa sociedade. O sufocante
comprometimento das finanças do orçamento estatal devido ao religioso pagamento
da dívida pública inviabilizou quaisquer melhorias perceptíveis nos serviços
sociais como saúde e educação públicas.
As reformas capazes de
alterar a estrutura social do país não foram consideradas pelo lulismo. Na
previdência houve uma contra-reforma; a reforma agrária estacionou em benefício
do agrobusines; incipientes
tentativas de enfrentar o histórico déficit habitacional malograram; a taxação
das grandes fortunas, bandeira histórica do programa petista de outrora, não
foi sequer cogitada, decepcionando aqueles que contavam com uma reforma
tributária mais progressiva; o oligopólio midiático permaneceu incólume em
prejuízo de um modelo democrático das comunicações. Em tal ambiente não causa
nenhum espanto o fato de que o contraste entre a renda do capital e os
rendimentos do trabalho só tenha aumentado.
O baixo crescimento do
PIB a partir sobretudo de 2011, associado à diminuição da demanda externa pelas
commodities, gerou um abalo na hegemonia lulista, expressa por meio de
sucessivas greves nos serviços e obras públicas, ganhando enorme ênfase no bojo
das denominadas “jornadas de junho” de 2013. A crescente insatisfação social
resultou na retomada das lutas da classe trabalhadora e dos setores populares, suprimindo
a capacidade do lulismo e do PT em
imobilizar os subalternos.
Em face dessa dificuldade
de perpetuar a acumulação do capital, tornam-se perfeitamente compreensíveis as
disputas cada vez maiores de diversos setores da burguesia em relação à
viabilidade ou não do projeto lulista. Todavia, o conjunto da classe dominante
somente abandonará o barco de forma integral quando um novo projeto hegemônico
estiver perfeitamente delineado: por enquanto o momento é de experiências, mas
ainda não sente firmeza em agrupamentos como o PMDB, que controla o parlamento
e a articulação política do planalto, nem tampouco no desacreditado projeto
tucano. A direita tradicional movimenta-se no sentido de aglutinar os setores
burgueses descontentes e de se constituir enquanto alternativa eleitoral para
uma parte da classe média mais abastada.
A segunda morte do PT se
consolida pela incapacidade, diante de um cenário externo instável, de continuar
gerindo o estado burguês e ao mesmo tempo ser visto como um instrumento
político capaz de representar os anseios populares. O segundo mandato de Dilma
será o coroamento inconteste do seu transformismo, pois este governo estará
cada vez mais parecido com um governo tucano, vide o ajuste fiscal regressivo,
as MP 664,665 que modificam certos direitos trabalhistas, o papel cumprido por
considerável parte da base de apoio e sustentação do governo na aprovação do
famigerado projeto da terceirização.
Nem o PT nem o lulismo
conseguirão reverter essa crise terminal. Findaram-se todas as ilusões que
sempre acompanharam esses sujeitos como representações políticas dos
trabalhadores. No próximo dia 11 ocorrerá em Salvador o congresso do PT. A despeito dos futuros êxitos eleitorais do
petismo, ou até mesmo o resurgimento de Lula no cenário nacional, essa crise
política encaminha-se para o seu desfecho final. Será o dia de finados para
aquele partido que nasceu nas gloriosas greves dos trabalhadores e que algum
momento representou a alvorada da alternativa classista em terras tupiniquins.
1 comentários:
Parabéns aos autores pelo artigo, pela retrospectiva e análise histórico-política do atual sistema econômico, que se encontra em declínio e da reflexão acerca das decepções de um partido que tinha um ideal socialista ao lado dos trabalhadores em seu surgimento e que, agora, anda comungado com o capital video-financeiro, juntamente com suas privatizações. Aguardamos ansiosamente, através de muita luta, por um novo modelo econômico que traga igualdade em todos os aspectos e seja norteado, sobretudo, pela ética. Abraços, camaradas!
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