Érica Larusa, Petroleira de Salvador.
Salvador, uma cidade tão rica culturalmente, com um povo
criativo que sabe viver em paz. Essa propaganda que sempre vemos nas agências
de turismo e nas propagandas do governo, esconde as práticas de intolerância
religiosa e as manifestações racistas presentes em nossa cidade.
Não é incomum terreiros serem queimados e mães de santos
humilhadas por fanáticos de outras religiões, como a protestante. Esses ataques
expressam o racismo e os interesses dos ricos, significam uma ideologia de ódio
às crenças negras e ao povo negro. Ideologia que é na verdade a ideologia
dominante que visa dividir os trabalhadores através do preconceito e da
opressão.
O espaço sagrado, Terreiro de Candomblé constitui um lugar importante de resistência do
negro na sociedade brasileira; um espaço de preservação das tradições e
reconstrução de sua identidade onde as relações
seguem uma lógica que, em muitos casos, contradiz a lógica da sociedade
patriarcal.
Mulheres negras, gays e lésbicas nas religiões de matriz
africana podem ocupar o mais alto grau na escala hierárquica religiosa: os
postos de yalorixá e babalorixá. As sacerdotisas e os sacerdotes afros atuam
propondo e participando ativamente dos processos decisórios, possuindo um papel
político importante dentro dos Terreiros, além de orientar religiosamente os
filhos de santo para fortalecer os laços com a ancestralidade e aconselha-los
em sua vida cotidiana. Nesse sentido, nas instituições religiosas de matriz
africana as mulheres negras são ouvidas, respeitadas e fortalecidas além de
que, a orientação sexual ou a identidade de gênero de qualquer indivíduo não é tratada como algo
que deve ser reprimido, questionado ou modificado. O sexo como Tabu,
fundamentado pelo mito do “Pecado original”, como acreditam as religiões
cristãs, também não faz sentido para o Candomblé, que o entende como natural e
vital causando repulsa nos setores mais conservadores da sociedade.
Apesar de não existirem dentro de uma bolha, os Terreiros
de Candomblé, guardam características que contrariam os sistemas ideológicos
opressores (machismo, racismo e
homofobia). Sabemos que o
Capitalismo se alimenta das opressões para aumentar a exploração à classe
trabalhadora e as religiões de matriz africana, de forma orgânica, conspiram
contra estes sistemas ideológicos.
Outra reflexão a ser feita é o fato de que o ser humano inserido na cultura
ocidental aprendeu que está acima da Natureza e que ela existe para servi-lo,
dentro de um sistema que preza pela maximização dos lucros e adota a ideia de
que o dinheiro move o mundo, a minoria mais rica não se opõe em explorar e
destruir o meio ambiente para atingir o “desenvolvimento” sem considerar a biodiversidade,
os recursos hídricos, ou cultura local de um “povo”. As religiões de matriz
africana, também sobre esse aspecto, tem uma ideologia contraria ao Capitalismo
por entender o ser humano como uma ramificação da Natureza, assim como a
Natureza é sentida como uma extensão do ser humano, portanto, para o Candomblé,
não é possível dar continuidade as tradições e manter o equilíbrio do planeta
sem preservar os recursos naturais. Se esse pensamento fosse mais coletivo,
talvez os lucros de grandes empresas que desmatam e poluem para manter as
fortunas de seus donos e acionistas estivessem ameaçados.
O sistema capitalista necessita se organizar para atacar e
tentar destruir o candomblé e as demais religiões de matriz africana porque
ainda que estas religiões sejam aparentemente organizações insignificantes
quando comparadas ao imperialismo e ao poder das grandes fortunas; elas
representam uma força que mundo ocidental não é capaz de entender nem explicar.
O fundamentalismo religioso tem sido uma forma de manipulação
do povo brasileiro, que já foi orquestrada pela Igreja católica e agora tem
como principal protagonista, líderes de algumas igrejas evangélicas
pentecostais e neo-pentecostais. Estes líderes inclusive introduziram em seus cultos
elementos e símbolos do Candomblé para atrair e manter os adeptos que são em
sua maioria afro-descendentes.
Pregando o ódio e a intolerância religiosa estas lideranças
atuam dividindo a classe trabalhadora, pois com seu discurso manipulam os
adeptos e estimulam o ataque ao povo de Santo. No congresso nacional, formam
uma bancada oportunista que se associa com empresários e os setores mais
conservadores da sociedade para tomar o poder, propondo medidas que retrocedem
principalmente nas pautas trabalhistas e de direitos humanos.
Não é a toa que o presidente da Câmara de Deputados,
Eduardo Cunha, defende um projeto de lei que intitula a “cristofobia”, com o
objetivo explicito de oficializar a religião católica e reafirmar a
intolerância à outras religiões, que serão “menos oficiais”. Manifestações de
intolerância em relação ao catolicismo seriam encaradas como crime, enquanto
que a outras práticas religiosas não. Esse projeto de lei, na verdade, surge
como um projeto que reafirma a intolerância e o preconceito religioso. É um
grande retrocesso!
Uma face cruel da intolerância religiosa tem surgido também
da associação destas igrejas com o tráfico de drogas que persegue yalorixás e
babalorixás nas favelas.
As religiões de matriz africana resistiram ao longo de sua
história a todos os tipos de violência e perseguição fortalecendo e mantendo o
povo de Santo ligado aos seus laços com a ancestralidade e permitindo sua
perpetuação para outras gerações. É preciso, no entanto despertar para esta
recente reorganização de ataques e traçar estratégias de combate para atuar de
forma precisa em todas as esferas da sociedade.
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