ACM Neto: o que as pesquisas não dizem, a realidade nos conta

No “reino” do prefeito “Netinho” Salvador é vendida como a cidade do turismo, como diz o ditado popular, pra “inglês vêr”

Governador Rui Costa (PT): caviar para a classe média e os turistas, lata de sardinha para os trabalhadores

O governador do PT declara que é preciso criar linhas especiais para atender um setor da classe média que não se sente atraída pelo transporte coletivo de Salvador.

domingo, 14 de dezembro de 2014

ACM Neto: o que as pesquisas não dizem, a realidade nos conta

|Por Jean Montezuma, direção estadual do PSTU

Em recente entrevista a um programa de rádio onde foi indagada a respeito da prefeitura de ACM Neto, a presidente do PSTU Salvador, a bancária Renata Mallet, respondeu dizendo: “A gestão de João Henrique deixou Salvador entregue as baratas. Por isso qualquer movimento da gestão de Neto tem impacto imediato”. Renata resumiu muito bem qual era o sentimento que pairava na cidade após os dois mandatos desastrosos de João Henrique, abandono. Vale lembrar que ACM Neto foi um cabo eleitoral decisivo na reeleição de João Henrique em 2008, quando o ex-prefeito era do PMDB de Geddel. Já o PT, compôs o primeiro governo de João Henrique assumindo secretarias. Ou seja, DEM, PMDB e PT são corresponsáveis pelo (DES)governo do nada saudoso João.

A tônica do mandato de ACM Neto tem sido recolocar a cidade nos “eixos”, leia-se, fazer com que aqueles que sempre tiveram privilégios voltem a encher seus bolsos como nunca, as custas da profunda desigualdade que há em nossa cidade. No “reino” do prefeito “Netinho” Salvador é vendida como a cidade do turismo, como diz o ditado popular, pra “inglês vêr”. A política das prefeituras bairro se converteu numa ótima estratégia para gerar uma falsa sensação de participação. O povo fala, a prefeitura finge que escuta e, consequentemente, faz aquilo que bem entende, deixando de intervir nos problemas estruturais que, se resolvidos, poderiam verdadeiramente mudar a vida das pessoas.

A prefeitura gasta milhões em propaganda mas em nenhuma delas será mostrada que várias escolas da rede municipal tem funcionado em containers! Ou que após 3 anos nenhuma única creche foi construída. A maquiagem superficial de ACM Neto se desmanchou rapidamente com as chuvas que no primeiro semestre mataram 21 pessoas. 21 moradores da periferia que não tiveram tempo de usufruir, por exemplo, da nova orla da Barra que tanto orgulha o prefeito.

Ao longo do ano várias pesquisas de opinião tem indicado ACM Neto como melhor prefeito do Brasil. Os índices de aprovação do prefeito nessas pesquisas chegam ao patamar de 79%. Será mesmo? Não subestimamos que o populismo de Neto, que ele aprendeu muito bem com o avô, empalme num setor expressivo da população. Ao menos no discurso, ACM Neto diz governar para todos, filho genuíno da burguesia tenta a todo momento criar artificialmente uma identidade com os setores mais populares. A seu favor tem um império de mídia da sua família com TV, jornal impresso, portal de internet, rádio, todo tipo de mídia a serviço da blindagem do seu governo e da construção de sua imagem como político do povo, “acima das classes”.

No entanto, o recente processo eleitoral para o conselho tutelar demonstrou que o quadro não é bem esse. Candidaturas apoiadas por aliados de ACM Neto, como o secretario municipal Bruno Reis(PMDB) e o vereador Léo Prates(DEM), sofreram derrotas importantes em bairros da periferia da cidade, como Cajazeiras por exemplo. Bairros que não aparecem nos pacotes vendidos pelas empresas de turismo. Logo, não é verdade que a prefeitura de Neto seja unanimidade, tão pouco que a esquerda socialista, os trabalhadores e a juventude negra não tenham motivos pelos quais lutar contra a política aplicada pela prefeitura do DEM.

No entanto, se toda desconfiança é pouca em relação a ACM Neto e seus aliados da casa grande, também devemos rejeitar aqueles que se comportam como capatazes. O PT de Rui Costa e Dilma não é alternativa para Salvador. O governador petista essa semana mandou a PM agredir estudantes e professores que se manifestavam contra medidas do governo que atacam a educação e o funcionalismo público. A mesma PM que bateu nos manifestantes no CAB, é a que mais mata no Brasil promovendo atrocidades como a chacina do Cabula, apoiada por Rui Costa. Não a toa o governador recebeu de setores do movimento negro o “prêmio” FUZIL DE OURO e, é chamado pelos ativistas dos movimentos sociais como RUIM Costa.

O PSTU defende que as trabalhadoras e trabalhadores, maioria absoluta do povo de Salvador, trilhem no cotidiano de suas lutas um caminho independente da direita e também do PT. Só conformando um campo de classe independente será possível derrotar com nossa mobilização projetos reacionários como o novo PDDU de ACM Neto, a faxina étnica da prefeitura que expulsa o povo negro e pobre do centro para dar lugar a especulação imobiliária, e a privatização desenfreada que pretende transformar nossa cidade num verdadeiro Shopping a céu aberto.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Só discurso não basta. Sobre a possível indicação de Katia Abreu para o Ministério da agricultura.


Gabriela Mota,
Juventude do PSTU/Bahia.




Já se passou  um mês das eleições presidenciais mais polarizadas desde 1989. A vitória apertada do governo Dilma/PT anuncia um cenário de maior polarização e enfrentamentos políticos no próximo período. O cenário econômico é cada vez mais instável. O FMI e o “mercado financeiro” já apresentaram ao governo suas pautas econômicas: ajuste fiscal e corte nos gastos sociais. Essa será a tônica do próximo período. O governo Dilma já está dando claros sinais de que lado vai estar. Nessas eleições o povo queria mudanças para melhor, no entanto o governo vem dando demonstrações de que a politica econômica vai seguir a mesma, o que significa menos dinheiro para saúde, educação, reforma agraria etc. Alguns analistas já preveem um corte de 100 bilhões de reais do orçamento. Novamente os milhões de trabalhadores que votaram no PT para evitar a volta da direita não terão suas reivindicações atendidas.

Para onde vai o governo DILMA?
A tão propagada guinada à esquerda do governo não saiu do papel, como imaginavam algumas correntes politicas, como a CONSULTA POPULAR e o MST. Terminada as eleições o governo tem feito demonstrações claras do que será o segundo mandato da Dilma. As primeiras medidas do governo vão no sentido contrário ao que esperavam os trabalhadores, a juventude e os movimentos sociais. A provável indicação de representantes dos banqueiros e do agronegócio nos ministérios da fazenda e da agricultura foi um grande balde de água fria naqueles setores que acreditavam em uma possível guinada à esquerda governo.
Os escândalos de corrupção na PETROBRAS, o aumento do preço da gasolina e as possíveis nomeações de Joaquim Lewy para o ministério da Fazenda e de Katia Abreu a pasta da Agricultura, ambos representantes do grande capital financeiro e do agronegócio, demonstram o que esperar do próximo governo Dilma. A decepção em alguns setores da sociedade já é visível.

Tudo para o agronegócio, migalhas para reforma agraria!
 São sintomáticas as declarações do colunista da Veja, Ricardo Azevedo, um claro representante da direita reacionária no Brasil, onde faz elogios ao governo Dilma pela indicação da senadora e representante do agronegócio, Katia Abreu. Para Azevedo “na área do agronegócio, propriamente o governo se comportou bem”. A indicação de Katia Abreu provocou a ira e a indignação dos movimentos sociais, em particular do MST e sectores do PT. Nessa semana cerca de 2000 jovens ligados ao MST ocuparam uma fazenda que cultiva milho transgênico com o objetivo de “denunciar o modelo do agronegócio, defendido amplamente pela bancada ruralista, e que tem a senadora Katia Abreu como referencia politica” (Nota no site do MST “Juventude ocupa fazenda de milho transgênico no Rio Grande do Sul”, 22 de novembro de 2014.).
É justa a indignação e o rechaço contra a indicação de Katia Abreu, no entanto é necessário ir além.  Não basta apenas questionar uma figura, mas o conjunto da politica econômica que os governos Lula e Dilma vêm aplicando no país desde 2003. Lamentavelmente o governo fez sua opção de governar com os setores mais reacionários e retrógrados da politica brasileira, como Collor, Sarney, Katia Abreu etc. O próprio Lula havia indicado o presidente do Bank Of Boston, Henrique Meireles, para assumir o Banco Central e o representante do agronegócio, Roberto Rodriguez para assumir o ministério da agricultura. Os banqueiros, o agronegócio e as construtoras foram os maiores beneficiários dos 12 anos de governo do PT. Enquanto isso, a tão esperada reforma agraria não saiu do papel e Dilma vai entrar para historia como um dos governos que menos assentou famílias.

Dilma, Cadê a Reforma agraria?
O membro da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, denunciou que “o governo Dilma foi o pior para reforma agraria. Assentou pouco, ou quase nada, e foi tomado pelo agronegócio, a quem se aliou” (MST diz que governo Dilma foi o pior para reforma Agraria, O GLOBO, 04/02/2014). Existem aproximadamente 200 mil famílias acampadas nas beiras das estradas a espera de um pedaço de terra. Essa realidade contrasta com os inúmeros benefícios concedidos pelo governo aos latifundiários e ao agronegócio no país.

Não basta ser contra Katia Abreu! É preciso retomar o caminho da luta pela reforma agraria.
O recente manifesto assinado por intelectuais e organizações politicas (o MST, a Consulta Popular/Levante Popular da Juventude e membros do PT) denuncia que “os rumores de indicação de Joaquim Levy e Kátia Abreu para o Ministério sinalizam uma regressão da agenda vitoriosa nas urnas. Ambos são conhecidos pela solução conservadora e excludente do problema fiscal e pela defesa sistemática dos latifundiários contra o meio ambiente e os direitos de trabalhadores e comunidades indígenas”.
No entanto é preciso ser consequentes na critica e no enfrentamento. Não podemos gerar ilusões e amarrar o conjunto dos movimentos sociais ao governo com o discurso de que estamos frente a um governo em disputa. A opção do governo e do PT é muito clara. Por isso não basta apenas ser contra a indicação de Katia Abreu. Esse é apenas o primeiro passo, é preciso que a esquerda socialista, os movimentos sociais, a juventude construa uma grande campanha nacional de denuncia da politica econômica do governo que beneficia os banqueiros e o agronegócio. Para ser consequentes é preciso que as direções do MST e da Consulta Popular rompam com o governo Dilma e retomem o caminho da luta e da mobilização direta, como fizeram outrora contra os governos do PSDB. Infelizmente não é isso o que veem demonstrado as direções dessas organizações. Se o governo mantiver essas indicações, qual será a postura do MST e da Consulta Popular?

 Com a palavra os companheiros e companheiras do MST e da Consulta Popular. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Governador Rui Costa (PT): caviar para a classe média e os turistas, lata de sardinha para os trabalhadores

|Por Jean Montezuma, presidente do PSTU/BA

Terça-feira, 17 de novembro ás 7 horas da manhã. Uma equipe de TV local está fazendo uma reportagem ao vivo para um telejornal em frente a Arena Fonte Nova. De repente, ao fundo, se inicia uma correria que logo chama a atenção da equipe de reportagem. Um princípio de incêndio num ônibus fez com que os passageiros saíssem as pressas em pânico por causa da fumaça. O ônibus pra variar estava lotado e no meio da correria uma das passageiras caiu, se machucou e precisou aguardar atendimento médico. Felizmente nada de mais grave, apenas ferimentos leves.

Essa cena, transmitida ao vivo para milhares de famílias em todo o Estado, foi uma amostra do péssimo serviço de transporte oferecido a população de Salvador, situação que não é diferente nas cidades do interior do Estado. A rotina de quem depende do transporte coletivo em Salvador é marcada por ônibus lotados, atrasos, filas enormes nas estações, linhas que dão a volta ao mundo tornando os trajetos mais longos do que poderiam ser e um longo etc. Um verdadeiro retrato de descaso, desrespeito e precarização. Para completar, o valor da passagem R$3,00, faz da nossa tarifa a mais cara do norte-nordeste e uma das maiores do Brasil.

Mais os governantes parecem não se importar com isso não é mesmo? Se por um lado o prefeito ACM Neto renovou o controle da corja gananciosa do SETEPS (sindicato das empresas de ônibus) sobre o sistema de transporte por mais 25 anos, com direito ao “prêmio” do reajuste anual da tarifa, isso mesmo, a tarifa vai subir todos os anos se depender do prefeito e dos empresários!Já na semana passada foi a vez do governador Rui Costa mostrar que não tem nem aí para o sufoco que passam os trabalhadores.

Como podem ver nesse vídeo, o governador do PT declara que é preciso criar linhas especiais para atender um setor da classe média que não se sente atraída pelo transporte coletivo. Linhas especiais que circulem na região de bairros considerados nobres como Pituba, Corredor da Vitória e Graça, e também no chamado circuito turístico de Salvador. Mais direto que isso impossível! O governador, reconhecendo que o serviço oferecido pelo SETEPS é de péssima qualidade, sugere uma alternativa que só agravará a segregação. Numa cidade que já é tão desigual o governador aponta como saída ônibus especiais para a classe média, enquanto os trabalhadores, o povão, que continuem entregues ao descaso.


O governador petista se incomoda ao ver que moradores dos bairros nobres e os turistas tenham que utilizar dos ônibus quentes, barulhentos, desconfortáveis e lotados. Mas se esquece que essa é a realidade cotidiana da absoluta maioria da população. A lógica do raciocínio de Rui Costa é: “Caviar para classe média e os turistas, e lata de sardinha para os trabalhadores”. Seria cômico se não fosse trágico.

Nós do PSTU acreditamos que para que cenas como as que foram transmitidas ao vivo hoje na TV e o cotidiano de sufoco dentro dos ônibus tenham um fim, é preciso arrancar das mãos do SETPS o controle sobre os ônibus que servem a população. Os donos de empresa só pensam no dinheiro, não ligam para passageiros e tão pouco para os rodoviários. É preciso revogar a concessão feita ao SETEPS e abrir um diálogo amplo e democrático com os rodoviários, associações comunitárias, movimentos sociais e a população em prol da criação de uma empresa municipal de transportes. Esse é o caminho que interessa aos trabalhadores, lamentavelmente o governador petista segue um itinerário oposto.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sobre o desaparecimento de Davi Fiúza.


Mais uma vez estou aqui redigindo linhas de um texto que não desejaria de modo algum escrever. Nos últimos dias tenho acompanhado atentamente pela imprensa o drama vivido pela família Fiúza. Davi Fiúza, um jovem negro de apenas 16 anos, está desaparecido há 17 dias. Segundo relato da família e dos moradores do bairro de São Cristóvão o garoto foi levado na porta de casa na manhã do dia 24/10 numa operação policial. Na operação em questão estavam envolvidas uma unidade da RONDESP, uma da PETO e dois carros sem identificação que levaram o jovem Davi sem nenhuma justificativa mesmo diante dos apelos dos moradores que presenciaram a cena.

É profunda a indignação que me causa o relato deste caso. Mais uma vez estamos diante de um triste exemplo do que falamos todos os dias e denunciamos durante as eleições. Existe uma prática institucionalizada de criminalização da pobreza e da juventude negra. De que outra forma poderíamos justificar a sensação de impunidade que permite que policiais sintam-se a vontade para sequestrar em plena luz do dia um jovem negro na porta de sua casa diante dos olhares e dos protestos dos moradores? E o pior! Mesmo após a denúncia feita pela família a Corregedoria da polícia militar nenhum avanço concreto se deu nas investigações deixando a família de Davi entregue à própria sorte.

 Não há como não se questionar: Ocorreria o mesmo se fosse Davi um garoto branco, ou se o seu endereço fosse o Alpha Ville e não a comunidade de Vila verde no bairro pobre de São Cristóvão? Não, não se trata de um caso pontual fruto da ação isolada de “maçãs podres” no interior da corporação. Este raciocínio limitado não explica as elevadas taxas de violência em nosso estado, não explica também porque a polícia baiana está entre as que mais mata no Brasil e não explica também porquê casos como o de Davi estão se tornando uma infeliz rotina que se abate sobre as famílias negras da periferia de Salvador e das maiores cidades da Bahia. É a própria estrutura militarizada de polícia que enxerga a população, particularmente a população negra, como inimiga e os jovens negros como potenciais criminosos, que alimenta a reprodução desses tipos de caso tão bárbaros.

As feridas do caso Geovane, outra vítima inocente da violência policial, ainda estão abertas.  Na verdade essa tem sido a rotina do povo negro na Bahia, um luto permanente, uma dor que mistura indignação, medo, revolta e ás vezes desespero. Mesmo sendo humildes e com poucos recursos financeiros a família Fiúza se uniu e no desejo de respostas agora oferece uma recompensa em dinheiro para quem der alguma pista sobre o paradeiro do jovem Davi.

Transmito a família Fiúza toda minha solidariedade. Como negro, nascido e criado na periferia convivo de perto com essa realidade que tanta dor causa ao povo negro. É inaceitável a nota oficial publicada pela Corregedoria da polícia onde identificamos que nenhum avanço concreto se deu nas investigações. A secretaria de segurança pública e o governador Jaques Wagner precisam se posicionar. Nós queremos respostas! Aonde está Davi?

Este caso só reforça a necessidade de seguirmos com a luta contra o extermínio da juventude negra na Bahia e também no Brasil. Infelizmente, em pleno “novembro negro” precisamos gritar em alto e bom som que o racismo segue presente na nossa sociedade oprimindo, humilhando e levando a morte negros e negras todos os dias. Já passou da hora de encarar a discussão sobre a estrutura policial no Brasil. Não é à toa que mais da metade da população brasileira não confia na polícia e, não é à toa que uma pesquisa recente demonstrou que até mesmo 70% dos policiais são favoráveis a desmilitarização da polícia.

 O governador eleito Rui Costa que defendeu durante sua campanha um aumento do aparato repressor com a criação de uma espécie de “BOPE” na Bahia precisa se posicionar. Qual será a postura do próximo governo? Investir em repressão e manter tudo como está, ou chamar os movimentos sociais, o movimento negro, e fazer o necessário debate sobre uma nova política de segurança pública?


Por fim, reafirmo minha solidariedade com a família Fiúza e compartilho o desejo para que esta situação seja solucionada.  A pergunta não pode ficar sem resposta: Comando da polícia, secretaria de segurança pública, governador Wagner, AONDE ESTÁ DAVI?

Carlos Nascimento,
ex-candidato a vice-governador pelo PSTU.

domingo, 19 de outubro de 2014

Professor Filgueiras - A conjuntura nacional e os desafios da esquerda socialista



TEXTO 01
NOTAS PARA A ANÁLISE DE CONJUNTURA - 18/08/2015

|Por Luiz Filgueiras, Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA

1- O Partido dos Trabalhadores, suas Direções e o Lulismo são os responsáveis fundamentais, principais, pela recente ofensiva política da direita e a ampliação e difusão de sua ideologia e dos seus valores na sociedade brasileira.

A partir dos anos 1990, após a derrota eleitoral das forças de esquerda no ano anterior, representadas pela candidatura de Lula, e o início da efetivação da agenda neoliberal pelo Governo Collor, iniciou-se o processo de transformismo do PT - que o levaria definitivamente, após a vitória de Lula nas eleições de 2002, para o campo da defesa da ordem capitalista num país periférico. Essa vitória, tal como ocorreu - lembrem-se da Carta ao Povo Brasileiro -, teve como pré-condição fundamental a aceitação prévia dessa ordem.

Diferentemente do transformismo da socialdemocracia europeia, o processo de transformismo do PT iniciou-se antes da sua chegada ao governo e, portanto, antes mesmo da implementação de qualquer de seus pontos programáticos. No entanto, tanto lá como cá, a circunstância decisiva para o transformismo foi a ascensão político-ideológica do neoliberalismo nos países capitalistas e a derrota do chamado “socialismo real” - em que pese o PT ter nascido criticando essa experiência.

O transformismo político, individual e/ou de grupos, se caracteriza pela incorporação, pelas forças contra hegemônicas, do ideário político da ordem - passando a defendê-lo e a operacionalizá-lo na prática, mas mantendo um discurso e uma retórica que lembram ainda a sua atuação passada, mas já fora de lugar. Mas o transformismo político é acompanhado, necessariamente, pelo transformismo ideológico, ético e operacional. Daí não haver nenhuma surpresa nos escândalos de corrupção do “Mensalão” e, agora, da chamada operação “Lava-Jato”. A corrupção na esfera social e política não se trata apenas, nem fundamentalmente, de um problema meramente moral e individual; ela está incrustada nos mecanismos institucionais da ordem burguesa e na “balcanização do Estado”. No caso do Brasil, podem ser citados, por exemplo, o financiamento privado das campanhas eleitorais, as emendas parlamentares individuais, a enorme quantidade dos chamados cargos de confiança e a fragilidade jurídica e de fiscalização das relações entre o Estado e o capital - em especial as licitações, mas não apenas. Todos os partidos que atuam defendendo e se comprometendo com essa ordem, e seus respectivos governos, inevitavelmente se corrompem; basta lembrar o Governo Sarney (tido, então, como o mais corrupto da história), o Governo Collor (“o caçador de marajás”) e o Governo FHC (com o seu processo mafioso de privatizações das empresas públicas e a compra de votos de deputados para aprovação de um segundo mandato).

Mas a denúncia e a crítica (em geral, cínicas e hipócritas) à corrupção é sempre, em todos os países e em todos os momentos, uma arma política poderosa; no Brasil, especificamente, podemos citar o “mar de lama” que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, a eleição de Jânio Quadros com a sua “vassoura”, o golpe militar de 1964, a eleição de Collor e a sua derrubada e, agora, as manifestações contra a corrupção na Petrobrás e a defesa do impeachment. A corrupção é sempre a ponta do iceberg e o elemento mobilizador; no entanto, no fundo, encoberta, se encontra a luta entre as classes e frações de classes por seus interesses, em disputa pela hegemonia e o controle do Estado.

O transformismo político-ideológico-moral do PT, ao desarmar politicamente os setores populares e os movimentos sociais, transformando-os em boa medida em correia transmissora do Lulismo - fenômeno crucial para a destruição/descaracterização do PT e a sua subordinação ao governo - criou a atual conjuntura política adversa para os valores e as propostas da esquerda socialista. Independente do que venha ocorrer no futuro imediato, todo esse processo tem ajudado a desmoralizar a esquerda socialista em geral e a dar combustível para a direita e as forças reacionárias. A luta da esquerda socialista, pela conquista da hegemonia na sociedade, que já era difícil, tornou-se, a partir de agora, muito mais desfavorável; essa é a herança dramática que o PT, o Lulismo e os seus Governos estão deixando para as forças socialistas anticapitalistas.

Por tudo isso, não se pode ter ilusão a respeito da sinceridade do socialismo e do projeto político do PT, em que pese a existência no seu interior, em posição subordinada, de tendências políticas socialistas e com as quais devemos dialogar. O seu transformismo não tem retorno e, agora, a sua desmoralização é incomensurável. Constato isso com uma enorme tristeza; uma experiência socialista que criou enormes esperanças, não só no Brasil, mas que terminou por se transformar em seu contrário.

2- A natureza dos Governos de Lula e Dilma
No Brasil, as políticas e reformas neoliberais iniciadas a partir do Governo Collor acabaram por constituir um padrão de desenvolvimento capitalista que pode ser denominado como sendo Liberal-Periférico. Esse padrão se aprofundou durante os Governos de FHC e se consolidou durante os Governos Lula e Dilma.

As características estruturais fundamentais desse padrão, que o diferencia do padrão anterior - o conhecido Modelo de Substituição de Importações -, podem ser resumidas em cinco pontos:

1- A relação capital/trabalho teve a sua assimetria aumentada a favor do primeiro, em razão da reestruturação produtiva e da abertura comercial - que implicaram o crescimento do desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e da precarização do trabalho em todas as suas dimensões. Como consequência, a capacidade de organização, mobilização e negociação dos sindicatos se reduziu dramaticamente.

2- As relações intercapitalistas, em razão da abertura comercial e financeira e das privatizações, foram redefinidas, alterando-se a posição e a importância relativa das distintas frações do capital no processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica: o capital financeiro (nacional e internacional) passou a ocupar posição dominante, deslocando a antiga hegemonia do capital industrial; o capital estatal perdeu relevância em favor do capital estrangeiro; e fortaleceram-se grandes grupos econômicos nacionais produtores/exportadores de commodities e o agronegócio.

3- A inserção internacional do país na nova divisão internacional do trabalho se alterou para pior, aumentando a sua vulnerabilidade externa. De um lado, a pauta de exportação do país se reprimarizou e se aprofundou o processo de desindustrialização iniciado ainda na década de 1980. De outro, cresceu dramaticamente a sua dependência financeira, fragilizando o Estado e reduzindo fortemente a sua capacidade de fazer política macroeconômica. Tudo isso decorreu da abertura comercial e financeira que também alimentou a desindustrialização do país e o crescimento da dívida pública.

4- O papel e a importância do Estado, no processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica, se alteraram - em virtude do processo de privatização e da abertura financeira. O Estado fragilizou-se financeiramente e perdeu capacidade de regular a economia e de implementar políticas macroeconômicas e de apoio à produção.

5- Por fim, em razão de todas essas mudanças, e ao mesmo tempo alimentando-as, constituiu-se um novo bloco no poder, sob a hegemonia do capital financeiro, que passou a ditar as políticas fundamentais do Estado.

Em suma, o padrão é liberal porque foi constituído a partir da abertura comercial e financeira, das privatizações e da desregulação da economia, com a clara hegemonia do capital financeiro - frente às demais frações do capital. E é periférico porque o neoliberalismo assume características específicas nos países capitalistas dependentes, que o torna mais regressivo ainda quando comparado a sua agenda e implementação nos países capitalistas centrais.

Do ponto de vista da dinâmica macroeconômica, a característica fundamental desse padrão de desenvolvimento capitalista, que aprofundou ainda mais a dependência tecnológica e financeira do país, se expressa na sua extrema instabilidade e em uma grande vulnerabilidade externa estrutural - que acompanham de perto as alterações cíclicas da economia internacional. Esse padrão de desenvolvimento, com as características estruturais aqui mencionadas, iguala todos os governos brasileiros que se sucederam a partir de 1990.

No entanto, esse padrão de desenvolvimento, desde a sua constituição, e a depender da conjuntura econômica internacional, passou por distintos regimes de política macroeconômica: a âncora cambial do Plano Real no primeiro Governo FHC, o tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuante) rígido no segundo Governo FHC e em parte do primeiro Governo Lula e, por fim, esse mesmo tripé flexibilizado no segundo Governo Lula e no primeiro Governo Dilma. Mais recentemente, a partir do segundo Governo Dilma retornou-se à aplicação rígida desse tripé.

Esses distintos regimes, cujas vigências dependem decisivamente da conjuntura internacional e que refletem prioridades e vantagens diferentes no que se refere às distintas frações do capital, sempre implicam em alguma acomodação do bloco no poder. Portanto, são esses regimes de política macroeconômica que diferenciam os dois Governos de FHC, de um lado, e os dois Governos de Lula e o primeiro de Dilma de outro - apesar de todos eles se assemelharem, ao aceitarem e promoverem o Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal-Periférico.

O “boom” econômico internacional nos anos 2000, só interrompido pela crise mundial deflagrada em 2008, permitiu, em razão da redução da vulnerabilidade externa conjuntural do país, a flexibilização (relaxamento) do tripé macroeconômico. Essa flexibilização, associada a outras políticas adotadas principalmente a partir do final do primeiro Governo lula - Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e um programa de habitação popular -, teve como consequência a elevação das taxas de crescimento do país e a redução das taxas de desemprego, assim como a diminuição da pobreza absoluta e uma pequena redução da concentração de renda no interior dos rendimentos do trabalho.

A melhora desses e de outros indicadores veio acompanhada de uma inflexão do bloco no poder, na qual o capital financeiro sofreu um deslocamento em sua hegemonia absoluta, tendo que admitir o crescimento da influência de outras frações do capital na condução do Estado: o agronegócio, o capital produtor e exportador de commodities, as grandes empreiteiras e os grandes grupos do comércio varejista; em suma a chamada burguesia interna, que passou a ser objeto prioritário das políticas do Estado, em especial através do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás. E tudo isso, apoiado em um maior protagonismo do Estado, pode ser feito sem atingir os interesses fundamentais do capital financeiro.

Esse momento conjuntural específico do Padrão de Desenvolvimento Liberal Periférico - produto de uma conjuntura internacional favorável e caracterizado por um regime de política macroeconômica que flexibilizou o chamado “tripé”, reacomodou as distintas frações do capital no interior do bloco no poder e permitiu incorporar, via mercado e de forma passiva, determinadas demandas populares -, foi “vendido” politicamente pelo PT e o Governo Lula como sendo um novo padrão desenvolvimento, denominado por eles de Neodesenvolvimentismo (desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social) - que teria superado o Padrão Liberal Periférico característico dos Governos Collor e FHC.

No entanto, a crise mundial do capitalismo deflagrada em 2008, com a consequente piora da conjuntura internacional, desmentiu categoricamente essa ilusão. Ela incialmente dificultou e, depois, acabou por inviabilizar a continuação da flexibilização do tripé macroeconômico e a compatibilização dos interesses divergentes das distintas frações do capital e dos distintos setores populares. Com isso, a fragilidade e reversibilidade dos pequenos benefícios conjunturais concedidos à classe trabalhadora vieram à tona, com o retorno do tripé macroeconômico em sua versão rígida e a ameaça de novas reformas neoliberais e aprofundamento das já efetivadas. Não há como desconhecer: sem as reformas estruturais democráticas, abandonadas pelo PT no seu processo de transformismo, não pode haver mudanças essenciais na situação da classe trabalhadora.

Desse modo, não se pode ter qualquer ilusão a respeito da capacidade do Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico de resolver os problemas e atender as necessidades da classe trabalhadora; nem tampouco ter dúvidas da natureza apassivadora dos Governos Lula e Dilma - que despolitizam a classe trabalhadora e incorporam, via mercado, sem qualquer mudança estrutural e muito parcialmente, algumas de suas demandas.

3- A conjuntura imediata
A permanência da crise econômica mundial e a deterioração da situação macroeconômica do país reacendeu a disputa entre as distintas frações do capital, principalmente a partir da segunda metade do primeiro Governo Dilma. Esse é o sentido mais profundo da atual conjuntura, na qual o regime de política macroeconômica preferido pelo capital financeiro voltou a ser adotado tal como no início do primeiro Governo lula.

No entanto, essa disputa está mediada e filtrada pelo sistema político-partidário, a grande mídia e as Instituições e as distintas esferas de poder do Estado – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário -, evidenciando que os distintos interesses em jogo vão muito além da estrita disputa travada entre as distintas frações do capital. Além disso, esses interesses não são facilmente e imediatamente discerníveis no plano partidário e da ação política imediata, de tal forma que a sua representação no plano político se apresenta de forma transversa, fragmentada, confusa e, muitas vezes, assumindo uma forma obscura. Misturando-se a eles, complementando-os ou opondo-se, existem aspirações e interesses de outros sujeitos, que atuam ativamente, como, por exemplo, setores da chamada “classe média”, as diversas Igrejas – em especial as Evangélicas -, as Centrais Sindicais e Patronais e os diversos movimentos sociais.

Nesse quadro, os efeitos recessivos do regime de política macroeconômica do “tripé rígido” adotado pelo Governo Dilma - eleita de forma apertada e defendendo um caminho oposto ao do ajuste fiscal -, associado à campanha anticorrupção deflagrada e promovida de forma articulada pelo Judiciário e a grande mídia, turbinaram a oposição de direita, partidária e não partidária - cuja expressão maior, no âmbito institucional, é a composição extremamente conservadora do atual Congresso Nacional. Tudo isso levou ao emparedamento do Governo Dilma, ao seu isolamento e a sua fragilização, dando origem a uma crise política que, ao mesmo tempo, impulsiona e é impulsionada pela crise econômica. Com isso, o Governo Dilma tem sido empurrado cada vez mais para a direita; mas, curiosamente, quanto mais Dilma é empurrada para a direita, assumindo e realizando a agenda neoliberal de Aécio, mais agressiva se torna a atuação das forças neoliberais e conservadoras, fragilizando ainda mais o Governo - que passou a perder apoio até entre os seus eleitores tradicionais.

Para piorar ainda mais o quadro, desde 2013 tem-se ampliado a difusão e influência de valores reacionários na sociedade civil, com a ascensão política de uma direita ideológica não partidária, organizada, atuante e mobilizadora - em que se misturam e se fundem valores neoliberais e conservadorismo/reacionarismo moral e de costumes. Esse é um fato novo: a direita convocando e dirigindo manifestações de massa nas ruas, disputando com a esquerda, de forma explícita, a hegemonia no interior da sociedade civil. Para confundir ainda mais as coisas e embaralhar os distintos campos políticos, ambas as oposições de direita - a partidária e a não partidária - passaram a criticar e a dificultar o ajuste fiscal proposto pelo governo.

No âmbito parlamentar, a ofensiva da direita e do conservadorismo vem se expressando em várias iniciativas, tais como: a redução da maioridade penal, o projeto de generalização da terceirização, a lei antiterrorismo, entre outros.

Nesse processo, a partir de certo momento, passou-se a propor o impeachment da Presidente Dilma nas mobilizações de rua organizadas pela direita não partidária e que aos poucos, de forma vacilante, começou a ter adeptos também no âmbito político partidário. A maior ou menor aproximação entre a direita partidária e não partidária, em cada momento da crise, é o termômetro que sinaliza a possibilidade efetiva ou não de se levar às últimas consequências o pedido de impeachment - em alguns momentos parecendo que o Governo Dilma está por um fio e, em outros, parecendo que a proposta está se esvaziando.

A divergência no interior do PSDB, sobre apoiar ou não o impeachment pedido pelas mobilizações de rua e de que forma fazê-lo, evidenciam de forma clara duas coisas: 1- As ambições políticas e vaidades dos vários caciques desse Partido dificultam a unidade de ação da direita partidária, bem como a sua aproximação das ruas. 2- O protesto contra a corrupção e o pedido de impeachment aparecem como o que eles realmente são, isto é, instrumentos na disputa política das diversas forças sociais para se chegar ao poder e defender e implementar os seus respectivos interesses.

Mais recentemente, observam-se algumas circunstâncias e iniciativas que parecem ser mais favoráveis ao governo, ajudando-o a começar sair de seu total isolamento. Do ponto de vista das iniciativas políticas, destaca-se, primeiramente, um movimento de aproximação do Governo com os Senadores, que procura isolar o Presidente da Câmara para dificultar suas ações contra o ajuste fiscal do governo e a sua tentativa de facilitar o encaminhamento do impeachment. Essa aproximação tem por instrumento a chamada Agenda Brasil - uma espécie de programa genérico, neoliberal/corporativista e de interesses escusos -, proposta pelo Presidente do Senado e apresentado como, supostamente, um conjunto de medidas para a retomada do crescimento.

A existência de possível acordo mais amplo em torno dessa iniciativa, que envolva o Governo, o Senado, parte da Câmara, a grande mídia e frações do grande capital não está ainda clara; mas não seria nenhuma surpresa ou novidade na história do país: a conciliação do “andar de cima”, sem rupturas, é sempre a fórmula utilizada pelos setores dominantes nos momentos de crise aguda; o capital tem horror da instabilidade econômica e política. O certo mesmo é que a proposta do Presidente do Senado foi precedida por encontros dos donos das Organizações Marinho com Ministros e lideranças político-partidárias e pela manifestação, através de uma nota, das Federações da Indústria de SP e RJ na qual pedem moderação e responsabilidade para a solução da crise.  Além disso, a Agenda Brasil já se constituiu em objeto de uma reunião do Ministro da Fazenda com os principais banqueiros do país e, nos últimos dias, pode-se notar certo arrefecimento das críticas ao governo por parte da grande mídia e mesmo o seu menor empenho no estímulo e convocação das manifestações de domingo último (dia 16).

A outra iniciativa importante foi a Marcha das Margaridas em Brasília e a reunião de centrais sindicais e movimentos sociais com a Presidente da República e Lula, nas quais foi explicitada a disposição de defesa do mandato da Presidente - sinalizando a capacidade do governo em incentivar, se necessário, a mobilização de trabalhadores e segmentos populares contra o impeachment - em que pese críticas que foram feitas, na mencionada reunião, ao caminho que vem sendo trilhado pelo segundo Governo Dilma.

Não há dúvida, pelo o exposto até aqui, que a esquerda socialista não pode dar nenhum apoio e crédito ao Governo Dilma e às suas políticas, que claramente penalizam os trabalhadores e expressam, sem possibilidade de disfarce, os interesses de certas frações do capital e, em especial, os interesses do capital financeiro. Ao mesmo tempo, a esquerda socialista não pode ficar alheia e/ou neutra com relação à possibilidade do impeachment, claramente patrocinado pelas forças mais reacionárias da sociedade brasileira.

4- A possibilidade do impeachment
O impeachment é um instituto legal e democrático, previsto na Constituição do país; mas é um instrumento de natureza essencialmente política. Portanto, se constitui em uma arma na atual disputa política que ora assistimos e participamos e que já vem provocando efeitos, independentemente de vir a ser efetivado ou não no futuro. Em especial tem ajudado a empurrar o Governo Dilma cada vez mais para a direita, tornando-o refém das forças mais reacionárias representadas no Congresso Nacional.

Diferentemente do impeachment de Collor, na atual conjuntura a sua proposição é uma arma que vendo sendo utilizada, claramente, pela direita não partidária e alguns setores da direita partidária; além de estimulada e também utilizada pela grande mídia. Faz parte da tentativa de controle do Estado pelas forças político-sociais mais regressivas e reacionárias da sociedade brasileira. A sua simples ameaça, sem qualquer tipo de confrontação, fortalece essas forças político-sociais e sua eventual efetivação se desdobrará num cenário político ainda mais adverso do que o atual para os trabalhadores e a esquerda socialista.

Portanto, o impeachment não é um problema apenas do Governo Dilma e do PT; ele atinge toda a esquerda socialista agora e no futuro. Os Governos Lula e Dilma, assim como o PT, são vistos, queiramos ou não, como socialistas, antiliberais e corruptos. As manifestações de rua, puxadas por organizações de direita explicitam isso de forma clara; agora, nas de domingo (dia 16), deixaram de fora qualquer crítica moral ou política ao Presidente da Câmara, acusado de propina no contexto da Operação Lava-Jato, porque o mesmo é um aliado que poderá facilitar o caminho do pedido de impeachment. Por tudo isso, a esquerda socialista tem que se posicionar, claramente, contra ele, classificá-lo como “golpe” institucional e atuar concretamente para impedi-lo; não pode ter receio de ser confundida com os apoiadores do governo, deixando claro, de todas as formas, que não concorda com esse governo e que se constitui numa oposição de esquerda que tem propostas completamente distintas.

E mais, quanto mais rapidamente a possibilidade de impeachment for descartada, mais claro e nítido ficará o cenário político, abrindo-se um maior espaço para a crítica e as propostas da esquerda socialista. A questão central da conjuntura é o confronto que opõe os que são a favor e os que são contra uma ruptura institucional nesse momento; a esquerda socialista não tem capacidade e influência na sociedade civil para substituí-la por qualquer outra. Não pode ficar apenas constatando que, em certos momentos, cresce a possibilidade efetiva do impeachment e, em outros, como agora - após as iniciativas citadas anteriormente e o menor tamanho das manifestações do dia 16 e sua menor repercussão na mídia -, reduz-se a possibilidade de sua ocorrência.

E o problema não se resolve com a adoção da palavra de ordem “nem Dilma nem Aécio”; que é justa de forma geral, tendo em vista o caminho e a estratégia independentes que a esquerda socialista deve percorrer na luta pela hegemonia e a conquista do poder, mas que, na atual conjuntura, como palavra de ordem para intervenção política na conjuntura, é apenas um slogan impotente – que vocaliza e deixa claro que, para a esquerda socialista, tanto faz que o impeachment ocorra ou não, como se nós tivéssemos capacidade de oferecer, nesse momento, uma terceira alternativa. Isso é um equívoco enorme; a nossa fragilidade política não será contornada por arroubos retóricos nem pelo medo de “nos misturarmos e sujarmos as mãos”; o emparedamento do atual governo pelas forças de direita e extrema direita as fortalecerá e criará um ambiente político de enorme dificuldade para os trabalhadores e a esquerda socialista.

A esquerda socialista, dentro das limitações de suas forças, tem que atuar como sujeito do processo, não pode esperar, como um expectador, o que vai acontecer no futuro. O futuro é marcado pelo passado, mas principalmente construído pelas ações que são feitas no presente; por isso, o futuro está sempre aberto, no sentido de ser possível mais de uma trajetória. O embate dos comportamentos e das ações a favor, contra ou neutros com relação ao impeachment ajudará a construir determinada trajetória que se imporá no futuro, definindo um cenário mais ou menos favorável aos trabalhadores e à esquerda socialista.

Desse modo, participar das manifestações do dia 20 é se posicionar e agir, ao mesmo tempo, contra as políticas do Governo Dilma e contra o impeachment, tal como está explicitado na convocatória oficial da manifestação assinada por inúmeros movimentos sociais e apoiada pelo PSOL e o PCdoB: em defesa dos direitos sociais, da liberdade e da democracia, contra a ofensiva da direita e por saídas populares para a crise. Contra o ajuste fiscal! Que os ricos paguem pela crise! Fora Cunha: Não às pautas conservadoras e ao ataque a direitos! A saída é pela Esquerda, com o povo na rua, por Reformas Populares!

Em razão do conteúdo dessa convocatória - pelos direitos dos trabalhadores e a democracia e contra o ajuste fiscal e às demais ações do Governo Dilma - o PT se recusou a colocar o seu nome nela - embora esteja ajudando na organização das manifestações. É notória a tensão política existente entre esses movimentos sociais, de um lado, e o PT e o Governo Dilma de outro; um motivo a mais para participarmos dessas manifestações e abrirmos um diálogo sincero com esses movimentos - ainda bastante influenciados pelo PT, mas que já dão sinais de certo descolamento, assim como manifestam claras discordâncias com o Governo Dilma.

Por fim, devemos reconhecer uma obviedade: a unidade da esquerda socialista é condição necessária e imprescindível para a superação de sua debilidade política, o fortalecimento da luta da classe trabalhadora e a viabilização de uma alternativa crível, própria desse campo político; a sua atual fragmentação é a razão de sua impotência em intervir e influenciar de forma relevante na conjuntura e, ao mesmo tempo, expressa uma cultura política autoritária e intolerante - que enxerga eventuais divergências conjunturais no seu interior como sendo divergências estruturais e estratégicas insanáveis. Esse comportamento se sustenta na dificuldade que temos em fazer as necessárias mediações políticas entre a busca do socialismo e as distintas conjunturas históricas - que expressa uma espécie de preguiça e acomodamento intelectual, em favor de fórmulas prontas.


TEXTO 02
ESQUERDA SOCIALISTA E O IMPEACHMENT

Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB... Por uma greve geral: esses dizeres (palavras de ordem) foram exibidos em algumas faixas na importante manifestação organizada pela esquerda socialista em São Paulo no dia 18 de setembro, intitulada “Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras”. O início da mensagem não dá margem a dúvidas: defende o impeachment (Basta de DILMA), coincidindo com o objetivo maior das grandes manifestações da direita econômica, política e moralista ocorridas nos últimos meses no país. No entanto, o problema dessa mensagem não é essa coincidência; e sim o erro político de uma força do campo da esquerda socialista fazer a defesa do impeachment na atual conjuntura.

Enquanto uma palavra de ordem geral estratégica, de crítica e oposição à Dilma e aos Partidos citados, aponta corretamente para identificação das forças da ordem responsáveis pela atual crise e a dramática situação vivida pelos trabalhadores nesse momento. Portanto, indica que não há qualquer possibilidade da esquerda socialista apoiar o Governo Dilma e suas políticas; claramente de conteúdo antipopular e alinhadas cada vez mais com o ideário neoliberal. Coisa muito distinta é defender e apoiar a interrupção do mandato presidencial no presente momento (conjuntura); na mais pura tradição de um “Golpe Branco”.

Poderíamos partir de diversos autores, clássicos da teoria política, para analisarmos a situação e fazermos a crítica dessa defesa equivocada do impeachment por segmentos da esquerda socialista - expressa nos dizeres acima explicitados. No entanto, vamos partir apenas de um deles, aquele que é considerado o fundador do pensamento político moderno, muito citado e pouco compreendido, qual seja: Nicolau Maquiavel.

Toda a obra desse autor, impressionantemente atual apesar de ter sido produzida nas três primeiras décadas do século XVI, está apoiada em um par de conceitos (virtú e fortuna) indissociáveis. A natureza da relação estabelecida entre eles (vontade X determinismo) funda a sua análise sobre a dinâmica da vida e da luta políticas; dando origem ao mesmo tempo à regra fundamental que, para Maquiavel, deve guiar e orientar a ação política do “príncipe” nas diversas conjunturas: uma espécie de princípio geral (invariável) para o comportamento dos sujeitos políticos - a seguir explicitado.

A ideia básica do conceito de “fortuna” (sorte) se relaciona às circunstâncias fundamentalmente imprevisíveis e incontroláveis com as quais os sujeitos políticos se defrontam em sua ação política em cada momento - que colocam problemas e situações novos que devem ser enfrentados e cujas soluções estão limitadas por essas mesmas circunstâncias. Contudo, no pensamento de Maquiavel, diferentemente da tradição cristã, fortuna não se confunde com destino (fatalismo inexorável); ela pode ser enfrentada, influenciada e parcialmente direcionada pela ação dos sujeitos. Mas, para isso, estes devem adaptar os seus comportamentos e as suas ações a ela - o que remete ao significado e à importância do conceito de virtú.

Em Maquiavel, contrariamente ao pensamento de seus contemporâneos, virtú não se identifica com as conhecidas virtudes cristãs que caracterizam um “homem bom”; embora o seu significado apresente nuances ao longo de sua obra, esse conceito se refere, fundamentalmente, à capacidade que o sujeito político tem de adaptar o seu comportamento e as suas ações às circunstâncias, às necessidades das diversas conjunturas, de acordo com os distintos problemas colocados objetivamente. Desse modo, o sujeito político deve ser guiado pela necessidade e ter a capacidade de “mudar a sua natureza”, adaptando-a aos tempos (às circunstâncias mutáveis); e não o contrário. Portanto, todas as suas ações políticas devem estar coerentes com esse princípio geral (independentemente delas estarem ou não compatíveis com as virtudes cristãs) - sob pena de ser derrotado, inexoravelmente, pela fortuna.

Em outro contexto e com outra perspectiva, mais de três séculos depois, Marx, ao tratar o Golpe de Estado perpetrado por Napoleão III na França, tratou da mesma preocupação de Maquiavel de outra maneira, resumindo-a com a seguinte formulação: “os homens fazem a história; mas não escolhem as circunstâncias sob as quais a fazem”; frase que sintetiza a necessidade dos sujeitos políticos considerarem, em cada conjuntura, as condições objetivas e subjetivas a partir das quais atuam e que limitam e relativizam as suas vontades - ao balizar as suas ações e restringir o leque de alternativas possíveis.

Em suma, o problema da atuação política, em cada conjuntura, é sempre o desafio de entender as circunstâncias realmente existentes - essencialmente a identificação dos distintos interesses e objetivos das classes e frações de classe em disputa, a ação das forças políticas concretamente presentes e a correlação de forças existente entre os sujeitos políticos coletivos -; o que exige do sujeito político a capacidade de transitar da sua concepção e análise estratégica de longo prazo (apoiada em elementos estruturais) para o plano da ação imediata, de curto prazo, que exige uma análise em um nível de abstração muito menor. Nesse plano, a síntese das ações dos distintos sujeitos definirá, a posteriori, o resultado político daí derivado, inclusive com eventuais implicações estruturais, de longo prazo.

Dito isso, e entrando na conjuntura brasileira atual, não é de desconhecimento de ninguém, com algum grau de informação, de que há uma onda de conservadorismo varrendo o país, com o apelo a políticas regressivas, que amálgama as visões da direita econômica, da direita e extrema direita política e da direita religiosa e moral. Essas visões, que estão imbricadas e articuladas nas diversas manifestações que vêm ocorrendo no país e que têm forte expressão institucional (no Parlamento e no Judiciário), estão sintetizadas no “Fora Dilma”, ou seja, na reivindicação do impeachment da Presidente - em que pese a total capitulação desta em relação ao ideário neoliberal e às suas políticas e dogmas econômicos.

Não precisamos reconstituir aqui todos os passos e movimentos dos últimos meses, deste o início do segundo Governo Dilma, para constatarmos que o comportamento da Presidente lembra em muito a biruta de um aeroporto; comportamento este em grande medida determinado pelo seu isolamento político na sociedade, no Congresso, no âmbito de sua base de apoio e até mesmo no interior de seu Partido político. E que, ao mesmo tempo, contribui para o crescimento de seu isolamento, agora também em segmentos e movimentos sociais que a elegeram. O seu último movimento, após apresentar a proposta de um segundo ajuste fiscal regressivo para os trabalhadores, acena para a entrega de cinco Ministérios a distintas facções que compõem o insaciável PMDB – configurando-se, talvez, na última cartada para evitar o “desembarque” desse Partido do governo - como espera o PSDB e o DEM - e, por consequência, tentar abortar o processo de impeachment.

A impressão nítida que fica é de que há uma força incontrolável, que foge à lógica e à ótica mais geral do capital como critério de julgamento das ações (boas ou más) do governo e que empurra todos os atores que compõem o campo da direita e do conservadorismo para a defesa e implementação de ações que levam ao impeachment. Nessa perspectiva, que foi se configurando aos poucos e empurrando o Governo Dilma cada vez mais para direita - mas sem resultados favoráveis para a sua governabilidade -, não interessa a natureza das políticas e medidas econômicas tomadas por esse governo. Ao campo político da direita, não mais interessa se essas medidas são condizentes com os interesses do capital ou não, se têm natureza neoliberal e de direita ou não; o objetivo das forças mais reacionárias da sociedade brasileira resume-se nesse momento a derrubar o Governo eleito e, se possível, “pegar” Lula - desqualificando, por tabela, toda e qualquer liderança de origem popular e, ao mesmo tempo, atingindo a esquerda em geral, tendo em vista a identificação de ambos pelo senso comum.

Em suma, o impeachment na atual conjuntura é a palavra de ordem da direita e que conduz e orienta as suas ações; o seu movimento, e fortalecimento, vem se dando nessa esteira. Para ela não basta mais o transformismo do PT, de Dilma e de Lula no sentido de sua adesão à ordem do capital e à implementação das políticas neoliberais. Ela não aceita mais “terceirizar” parte importante de sua agenda; quer ela própria conduzir a sua implementação, da forma mais pura e regressiva possível, sem nenhuma concessão aos “de baixo e subalternos”. Por isso aposta que o impeachment se desdobrará numa conjuntura ainda mais favorável para suas pretensões e execução de seu programa; com a desmoralização de Dilma, Lula e do PT e, por extensão, com a desmoralização também da esquerda socialista em geral. Como já mencionei em outro texto, queiramos ou não, Lula e tudo que está associado ao PT estão carimbados no senso comum como coisa de “socialista e comunista” - apesar de sabermos que isso não é absolutamente verdade.

Desse modo, a palavra de ordem de “Basta Dilma”, indicando a concordância com o seu impeachment, é um equívoco político grave, com consequências desastrosas para o futuro imediato dos trabalhadores brasileiros e da esquerda socialista. Na atual conjuntura, em virtude da correlação de forças políticas existente, o “Basta Dilma” não é, objetivamente, “Basta Aécio, PMDB, DEM etc.”. A derrubada de Dilma abrirá o caminho para a busca de consenso, e governabilidade futura, das forças mais reacionárias da sociedade brasileira; a esquerda socialista, infelizmente, não tem capacidade de se apresentar, objetivamente, como alternativa imediata, e nem mesmo em futuro próximo. Portanto, “Fora Dilma” significa, na atual conjuntura, “Entra Aécio, FHC, Serra, Alkimim, Temer etc.”.

Mais uma vez, a questão não é nem a de se identificar uma proximidade maior ou menor, que pode ser feita, entre Lula e o PT, de um lado, e as forças mais afinadas com o capital financeiro e o neoliberalismo de outro - proximidade esta já largamente conhecida. Insisto: o impeachment, tudo leva a crer, abrirá uma conjuntura muito mais adversa para os trabalhadores e a esquerda socialista do que a presente - que já é muito difícil e adversa.

Em síntese, a esquerda socialista não pode temer ser confundida e embaralhada com o Governo Dilma e o PT; pois ela não abrirá mão da defesa dos interesses dos trabalhadores e do socialismo e se oporá radicalmente a todas as políticas neoliberais e regressivas do Governo Dilma. Contudo, para a esquerda socialista, ser contra o impeachment é uma necessidade objetiva e incontornável da conjuntura; e isso é completamente diferente de apoiar o Governo Dilma e suas políticas. Além disso, reafirmo a importância do diálogo com a esquerda socialista ainda presente minoritariamente, e de forma subordinada ao lulismo, no interior do PT, bem como com os movimentos sociais tradicionalmente situados na órbita desse Partido; ambos em processo de descolamento do Governo Dilma e do próprio PT. A esquerda socialista deve estimular e fomentar esse descolamento, apelando para a necessidade dessa ruptura: a união da esquerda socialista, com a superação da fragmentação que a torna impotente, é mais do que nunca crucial para se enfrentar a conjuntura atual e os seus desdobramentos futuros, que se anunciam cada vez mais difíceis.


TEXTO 03
A TÍTULO DE ESCLARECIMENTO AO PROFESSOR ZACARIAS

O professor Zacarias, em seu texto intitulado “Elementos Conjunturais para uma Proposição de Saída pela Esquerda”, que tem por objetivo responder ao meu texto intitulado “A Esquerda Socialista e o Impeachment”, faz afirmações sobre o seu conteúdo que considero improcedentes do ponto de vista factual, enviesando-o para torná-lo mais facilmente criticável. Por isso, faço aqui quatro observações, para não haver dúvidas quanto ao que eu escrevi no meu texto; com a reprodução, em cada uma delas, de trechos do texto concernente às questões tratadas pelo professor Zacarias:

1- O meu texto não identifica a manifestação convocada pela esquerda socialista como sendo semelhante às manifestações realizadas pela direita: elas foram feitas, obviamente, com distintos objetivos e intenções. Se fizesse isso, seria um erro crasso da minha parte. Claramente, apenas identifiquei, e critiquei, a faixa “Fora Dilma...” (e só ela) como semelhante à palavra de ordem fundamental da direita hoje, que é, sem dúvida, o impeachment. Portanto, a crítica é a essa palavra de ordem e as suas consequências políticas; o meu texto é sobre isso e não há qualquer crítica à manifestação. Confira abaixo:

“Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB... Por uma greve geral: esses dizeres (palavras de ordem) foram exibidos em algumas faixas na importante manifestação organizada pela esquerda socialista em São Paulo no dia 18 de setembro, intitulada ‘Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras’. O início da mensagem não dá margem a dúvidas: defende o impeachment (Basta de DILMA), coincidindo com o objetivo maior das grandes manifestações da direita econômica, política e moralista ocorridas nos últimos meses no país. No entanto, o problema dessa mensagem não é essa coincidência; e sim o erro político de uma força do campo da esquerda socialista fazer a defesa do impeachment na atual conjuntura.

Enquanto uma palavra de ordem geral estratégica, de crítica e oposição à Dilma e aos Partidos citados, aponta corretamente para identificação das forças da ordem responsáveis pela atual crise e a dramática situação vivida pelos trabalhadores nesse momento. Portanto, indica que não há qualquer possibilidade da esquerda socialista apoiar o Governo Dilma e suas políticas; claramente de conteúdo antipopular e alinhadas cada vez mais com o ideário neoliberal. Coisa muito distinta é defender e apoiar a interrupção do mandato presidencial no presente momento (conjuntura); na mais pura tradição de um ‘Golpe Branco’.”.

2- Não há no meu texto, e da minha parte, qualquer preocupação com o que pode ser chamado de "volta da direita" ou que esteja em andamento um Golpe Militar tipo de 1964: a direita já está aí, parte dela inclusive no interior do próprio Governo Dilma. A minha preocupação, claramente evidenciada no texto, é a de jogarmos de forma não intencional, desavisada e quase inocente, a favor da mesma meta da direita nessa conjuntura, qual seja, "fora Dilma" (o impeachment). Pois não tenho dúvida de que o impeachment na atual conjuntura será uma vitória da direita, com a situação (a futura conjuntura) ficando pior ainda do que já está atualmente para os trabalhadores e a esquerda socialista. Esta, na atual conjuntura, não se apresenta, infelizmente, como alternativa real. Confira abaixo:

“Desse modo, a palavra de ordem de ‘Basta Dilma’, indicando a concordância com o seu impeachment, é um equívoco político grave, com consequências desastrosas para o futuro imediato dos trabalhadores brasileiros e da esquerda socialista. Na atual conjuntura, em virtude da correlação de forças políticas existente, o ‘Basta Dilma’ não é, objetivamente, ‘Basta Aécio, PMDB, DEM etc.’. A derrubada de Dilma abrirá o caminho para a busca de consenso, e governabilidade futura, das forças mais reacionárias da sociedade brasileira; a esquerda socialista, infelizmente, não tem capacidade de se apresentar, objetivamente, como alternativa imediata, e nem mesmo em futuro próximo. Portanto, ‘Fora Dilma’ significa, na atual conjuntura, ‘Entra Aécio, FHC, Serra, Alkimim, Temer etc.’.”

3- Não há no meu texto qualquer menção de apoio ou aliança com as forças governistas; não tenho nenhuma ilusão quanto a isso. No entanto, se opor radicalmente ao Governo Dilma não significa abraçar o movimento pelo impeachment. O que é claro no meu texto é a preocupação em ampliar as forças da esquerda socialista com forças que estão se descolando do PT e do Governo Dilma, trazendo-os para o campo da esquerda socialista e segundo os nossos objetivos. Confira abaixo:

“Em síntese, a esquerda socialista não pode temer ser confundida e embaralhada com o Governo Dilma e o PT; pois ela não abrirá mão da defesa dos interesses dos trabalhadores e do socialismo e se oporá radicalmente a todas as políticas neoliberais e regressivas do Governo Dilma. Contudo, para a esquerda socialista, ser contra o impeachment é uma necessidade objetiva e incontornável da conjuntura; e isso é completamente diferente de apoiar o Governo Dilma e suas políticas.

Além disso, reafirmo a importância do diálogo com a esquerda socialista ainda presente minoritariamente, e de forma subordinada ao lulismo, no interior do PT, bem como com os movimentos sociais tradicionalmente situados na órbita desse Partido; ambos em processo de descolamento do Governo Dilma e do próprio PT. A esquerda socialista deve estimular e fomentar esse descolamento, apelando para a necessidade dessa ruptura: a união da esquerda socialista, com a superação da fragmentação que a torna impotente, é mais do que nunca crucial para se enfrentar a conjuntura atual e os seus desdobramentos futuros, que se anunciam cada vez mais difíceis.”.

4- O meu texto em lugar algum afirma que a luta de classes e a relação capital-trabalho estão ausentes da luta política e da atual conjuntura; na verdade, ele as considera como pano de fundo e, em algumas passagens, isso fica explícito. O que o texto afirma, claramente, é que, nessa conjuntura imediatíssima, à oposição partidária de direita não interessa mais quais são as políticas propostas pelo Governo Dilma, porque o seu objetivo e prioridade é derrubá-lo. Porque essa é a trajetória que a direita identifica como o caminho para o seu fortalecimento, com a derrota da esquerda em geral. Confira abaixo:

“A impressão nítida que fica é de que há uma força incontrolável, que foge à lógica e à ótica mais geral do capital como critério de julgamento das ações (boas ou más) do governo e que empurra todos os atores que compõem o campo da direita e do conservadorismo para a defesa e implementação de ações que levam ao impeachment. Nessa perspectiva, que foi se configurando aos poucos e empurrando o Governo Dilma cada vez mais para direita - mas sem resultados favoráveis para a sua governabilidade -, não interessa a natureza das políticas e medidas econômicas tomadas por esse governo. Ao campo político da direita, não mais interessa se essas medidas são condizentes com os interesses do capital ou não, se têm natureza neoliberal e de direita ou não; o objetivo das forças mais reacionárias da sociedade brasileira resume-se nesse momento a derrubar o Governo eleito e, se possível, “pegar” Lula - desqualificando, por tabela, toda e qualquer liderança de origem popular e, ao mesmo tempo, atingindo a esquerda em geral, tendo em vista a identificação de ambos pelo senso comum.

Em suma, o impeachment na atual conjuntura é a palavra de ordem da direita e que conduz e orienta as suas ações; o seu movimento, e fortalecimento, vem se dando nessa esteira. Para ela não basta mais o transformismo do PT, de Dilma e de Lula no sentido de sua adesão à ordem do capital e à implementação das políticas neoliberais. Ela não aceita mais “terceirizar” parte importante de sua agenda; quer ela própria conduzir a sua implementação, da forma mais pura e regressiva possível, sem nenhuma concessão aos “de baixo e subalternos”. Por isso aposta que o impeachment se desdobrará numa conjuntura ainda mais favorável para suas pretensões e execução de seu programa; com a desmoralização de Dilma, Lula e do PT e, por extensão, com a desmoralização também da esquerda socialista em geral. Como já mencionei em outro texto, queiramos ou não, Lula e tudo que está associado ao PT estão carimbados no senso comum como coisa de “socialista e comunista” - apesar de sabermos que isso não é absolutamente verdade.

Mais uma vez, a questão não é nem a de se identificar uma proximidade maior ou menor, que pode ser feita, entre Lula e o PT, de um lado, e as forças mais afinadas com o capital financeiro e o neoliberalismo de outro - proximidade esta já largamente conhecida. Insisto: o impeachment, tudo leva a crer, abrirá uma conjuntura muito mais adversa para os trabalhadores e a esquerda socialista do que a presente - que já é muito difícil e adversa.”.

Professor Zacarias - A conjuntura nacional e os desafios da esquerda socialista



TEXTO 01
ELEMENTOS CONJUNTURAIS PARA UMA PROPOSIÇÃO DE SAÍDA PELA ESQUERDA (16/08/2015)

|Por Carlos Zacarias, professor do Departamento de História da UFBA

As manifestações que nos últimos meses tomaram as ruas do Brasil assustaram muita gente. Houve quem, na melhor das hipóteses, desconfiasse das boas intenções de brasileiros e brasileiras que, fantasiados com a camisa da CBF/Nike, foram às ruas para esconjurar a corrupção, gritar contra o governo Dilma e, em larga medida, e mais acentuadamente nas manifestações do dia 16/08, pedir o impeachment da presidente. Mas houve também quem visse nos atos de exaltados “patriotas”, enrolados na bandeira do Brasil e entoando o hino nacional, uma manifestação clara de que um novo golpe se anunciava, com características fascistas, remissivas ao golpe ocorrido em 1964.

Efetivamente o quadro não parece ser animador para uma parte dos movimentos sociais que por décadas lutaram por um projeto democrático-popular e após 13 anos assistem o que chamam de “onda conservadora” surgir aparentemente do nada. Tal ofensiva, se é que assim se pode chamar a tal “onda conservadora”, esteve nos últimos meses consubstanciada nas mega-manifestações registradas em março (15), abril (12), e no último domingo, 16/08. Considerando que não parece ser do ordinário do nosso país assistir senhoras com o terço na mão rezando o Pai Nosso em plena Paulista, pessoas com camisas vermelhas sendo hostilizadas, torturadores homenageados e pedidos de intervenção das Forças Armadas por entre cartazes com alusão a Cuba, ao bolivarianismo e ao Foro de São Paulo, há que se admitir que algo de muito diferente se assomou na conjuntura do país neste ano.

De fato, por mais de 50 anos as direitas tradicionais brasileiras deixaram as ruas. Desde as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, ocorridas entre março e abril de 1964, que não se viam multidões tão hostis às bandeiras vermelhas, ao socialismo e a tudo o que lembre, ainda que vagamente, alguma postura de esquerda. Estaríamos, então, prestes a assistirmos um novo golpe de estado contra a nossa democracia e contra um governo com características populares, como outrora ocorreu com Jango? Não parece ser o caso! Mas como explicar, então, a ofensiva conservadora e toda onda de ódio dispendido contra os movimentos sociais dos últimos meses? O que dizer dos imensos atos que moveram milhares (ou milhões, conforme os cálculos) que foram para as ruas com uma única bandeira de luta contra a corrupção e a favor do impeachment? É o que tentaremos responder a seguir.

O governo do PT é um governo burguês atípico
Os trabalhadores que durante os governos petistas fizeram greves nos municípios, nos estados e na federação sabem que o tratamento dispensado pelos dirigentes dos Executivos não varia muito de partido para partido. Em que pese que muitos dos prefeitos ou governadores sejam egressos dos movimentos sociais, em raríssimas situações os governantes receberam os trabalhadores quando estes encamparam greves. Na maior parte do tempo, o tratamento oferecido, além do silêncio e do desdém diante dos ativistas, foi semelhante ao dos governantes dos partidos burgueses tradicionais, como o PSDB e o DEM/PFL. Na Bahia, por exemplo, os trabalhadores da educação em diversas ocasiões se enfrentaram com o governo do ex-dirigente do Sindiquímica Jaques Wagner. Em 2007, professores da educação básica e superior fizeram greves, e o governo enfrentou ambas as paralisações com o corte de salários, arrogância e sistemática propaganda enganosa como faziam os governantes do carlismo. Em 2012, quando professores da educação básica ficaram paralisados por mais de 100 dias, o governador, que contava com uma direção sindical da APLB que lhe era apoiadora, não apenas cortou o salário dos grevistas, como enfrentou a greve com profundo desdém, veiculando mentiras na TV e suspendendo até mesmo o Credcesta, dificultando que os docentes abastecessem suas casas com alimentos. Com Rui Costa não foi diferente, haja vista que os docentes das UEBA precisaram ocupar a SEC depois de mais de 70 dias em greve apenas para ter a atenção merecida da parte de um governo que reduzia a verba da educação, enquanto elogiava policiais que promoviam a chacina da juventude negra na Vila Moisés, isso depois de ameaçar de despejo os docentes pela política que atuou com a mesma truculência da PM de muitos estados.

No final das contas, pode restar a sensação de que o governo do PT é um governo burguês igual a qualquer outro, mas essa é uma forma de tomar a questão apenas pela superfície. O PT governa verdadeiramente para as mesmas classes dominantes que o PSDB e o DEM, mas as frações da burguesia que se enfrentam numa ríspida disputa pela direção dos governos, ora podem ser mais beneficiadas num período do que em outros. Durante os dois mandatos do presidente Lula, houve um reforço do espaço destinado à burguesia compradora no Brasil. Muito especialmente a partir do segundo governo de Lula e do primeiro de Dilma, quando o país se viu diante da necessidade de enfrentar uma crise econômica mundial de dimensões avassaladoras, o ministério da Fazenda, sob a batuta de Guido Mantega e a orientação dos chefes do Executivo, optou por aplicar medias anticíclicas, que combinaram expansão do crédito, diminuição dos juros e renúncia fiscal de produtos da linha branca e de veículos automotivos. As medidas, de um lado, permitiram a continuidade do incremento do mercado interno junto com a expansão da massa salarial, sem prejuízo para os setores do rentismo, sempre beneficiados por uma política de altos superávits primários e rigoroso cumprimento dos contratos.

No fim do primeiro mandato de Dilma, entretanto, como a crise econômica mundial não chegou ao fim, e diante dos inevitáveis riscos que uma política de expansão do crédito significava, com a possibilidade de a inadimplência fugir ao controle diante do endividamento crescente das famílias brasileiras, o governo se viu obrigado a adequar sua rota. Neste caso, após eleições profundamente polarizadas, com rios de dinheiro sendo despejados nas candidaturas de Aécio Neves e Dilma Rousseff, que receberam algo em torno R$ 300 milhões, cada um, o segundo governo de Dilma precisou promover uma profunda inflexão, nem tanto na sua política econômica (também modificada), mas principalmente no seu discurso eleitoral que diante do reacionarismo do PSDB precisou flertar novamente com a esquerda.

Utilizando-se largamente de sua história pessoal, coisa que não havia feito na primeira eleição, quando se negou a discutir o aborto e se aproximou perigosamente dos segmentos fundamentalistas da coalizão, Dilma Rousseff se escorou nas peças publicitárias do “Dilma, coração valente” e do “Dilma, muda mais”, para reeditar o discurso do medo diante da possibilidade de retorno aos tempos do governo de FHC, que muitos brasileiros pretendiam esquecer. O efeito de tais políticas permitiu ao Partido dos Trabalhadores colher uma quantidade imensa de voto útil, até mesmo no primeiro turno.

Não obstante, por não se tratar de um governo burguês típico, mas de um governo de Frente Popular, os mandatos de Lula da Silva e Dilma Rousseff necessitaram repactuar permanentemente a coalizão com os movimentos sociais e as frações burguesas com presença na aliança de classes. Por conta disso, de alguma forma, ocorreu uma espécie de empoderamento dos setores subalternos, que apesar de não terem sido patrocinados pelos governos do PT, se viram favorecidos pela ascensão de um projeto popular, ainda que distorcido e sofrendo um vertiginoso transformismo.  Com efeito, diante do secular déficit de democracia da sociedade brasileira, enquanto houve uma promoção das expectativas das mulheres e dos negros através das políticas compensatórias, de reparação e de modesta distribuição de renda; enquanto os setores tradicionalmente oprimidos em função do conservadorismo dos costumes das nossas classes dominantes, como os LGBT, conseguiram alguma expressão; enquanto os segmentos explorados e oprimidos se empoderaram muito mais na medida das expectativas, do que das reais e efetivas necessidades secularmente negadas, considerando-se que este processo não avançou até as últimas consequências, ele se vê na iminência de retrocessos significativos em função da ofensiva das classes dominantes que se sentiram ameaçadas no seu poder.

Ainda sobre o assunto, como de alguma forma este empoderamento se efetivou muito mais no plano das expectativas e em níveis mínimos de consumo, ressaltem-se a permanência do déficit histórico de democracia, igualitarismo e atenção públicas para com mulheres, negros, e LGBTs que continuam morrendo aos milhares vítimas da desatenção, das chacinas e de todas as formas de extermínio. Isso considerando todas as promessas e esperanças diante de um projeto popular, agora gerido por uma mulher, que não garantiu o direito ao aborto, não tipificou a homofobia, nem promoveu uma séria discussão sobre a necessidade de descriminalização da maconha, elemento que levam milhares de jovens negros a serem assassinados todos os anos nas periferias das grandes e médias cidades brasileiras em função do tráfico de drogas.

Hegemonia fraca
O que está em jogo no Brasil hoje é a tentativa das classes dominantes de retomarem a direção política do país desde que esta foi perdida em 2002, após um curto período de exercício pleno da hegemonia com os governos de FHC. Ou seja, tendo em vista que as classes dominantes não puderam exercer seu domínio pleno com uma direção política de um partido tipicamente burguês, permitiram a ascensão de governos que, para aplicarem uma política burguesa, precisam permanente repactuar sua direção. Não dispondo da total confiança das classes dominantes tradicionais em função dos compromissos históricos que o impulsionaram a direção do Executivo central do país, o PT é absolutamente necessário nesses tempos de hegemonia fraca, mas na primeira oportunidade pode vir a ser descartado do cenário político, como o foram os governos frente populistas.

É verdade que durante as diversas gestões petistas as várias frações da burguesia conviveram em relativa harmonia, aceitando as pequenas concessões dirigidas aos extratos mais baixos da população, desde que continuassem ganhando dinheiro como nunca na história do país, como gostava de dizer Lula. Enquanto isso, em poucos períodos da nossa história os movimentos sociais foram tão generosos com os governos e com os patrões como durante o período Lula. Sobre o assunto, de acordo com o DIEESE, entre 1995 e 2002, anos do governo FHC, ocorreram 648 greves em média por ano no Brasil. Já entre 2003 e 2010, período compreendido entre os dois governos de Lula, o número de greves foi reduzido para 369. Será possível se deduzir que a menor quantidade de greves durante o governo do ex-sindicalista diga respeito ao fato de que a massa salarial média foi incrementada, com diversas categorias auferindo ganhos reais. Entretanto, caso se considere que as greves são os fatores essenciais para a conquista de bons acordos que significam recomposição salarial e acréscimo diante da inflação, haveria uma contradição em termos, tendo em vista que foi no período de menor quantidade de greves (durante os governos de Lula) que os trabalhadores tiveram os maiores aumentos. Não obstante, caso adicionemos a variável “situação econômica”, podemos observar que os salários melhoraram nos períodos de recuperação econômica, e foram reduzidos nos períodos de crise, com rebatimento nas greves que, em todo caso, passaram a ser estimuladas ou desestimuladas pelas direções governistas muito mais na medida do interesse do partido no governo do que dos trabalhadores.

Ainda tomando a variável “situação econômica” cabe registrar que a crise de fins da década de 1990 (Tigres Asiáticos, 1997; Rússia, 1998; México, 1998; e Brasil 1999), ajudou ao decréscimo das greves até seu patamar mais baixo em 2002, quando foram registradas 298 greves, a menor quantidade desde 1983, quando se registraram 250 paralisações. Sobre a crise econômica de fins da década de 1990, antes que as greves chagassem ao seu patamar mais baixo, um fluxo contínuo de pressão permitiu aos trabalhadores organizados promoverem um último grande ato em Brasília empunhando a bandeira do Fora FHC. Com efeito, em 1999, quando a situação econômica do país parecia fugir do controle e quando algo entre 80 e 100 mil trabalhadores marcharam na capital do país, o governo brasileiro contraiu novo empréstimo de 80 bilhões de dólares com o FMI, como forma de contornar a crise.

Todavia, ao lado desses fatores mais objetivos, nossa hipótese é a de que a quantidade de greves se reduz muito mais em função dos elementos subjetivos, pois uma parte importante dessa hegemonia fraca das classes dominantes durante os governos petistas implica na necessidade de repactuar a direção política com os movimentos sociais que precisam ser controlados. Por conta disso, a redução do registro de greves durante os governos Lula tem menos a ver com o incremento da massa salarial dos trabalhadores brasileiros do que com o fato de que as direções sindicais passaram a se acomodar na máquina política, sofrendo também do transformismo da maioria dos dirigentes políticos das altas esferas. Em vista disso, enquanto alguns dirigentes sindicais passaram a assumir cargos públicos de diversas ordens, outros eram recrutados para gerir os fundos de pensão e as inúmeras formas assumidas pelo capital privado durante as transformações sofridas pelo capitalismo brasileiro novamente dirigido pelo estado, especialmente a Reforma da Previdência de 2003 e os anos de oportunidades e concessões à iniciativa privada, algo que se aprofundou durante o governo Dilma.

No final das contas, foi ainda durante os governos Lula, quando a classe trabalhadora desenvolveu uma primeira e fundamental experiência com um governo que praticava um “reformismo quase sem reformas” (Arcary, 2013), que as principais rupturas foram se efetivando, algumas pela direita, como a que gerou o PROIFES em 2004, outras pela esquerda, como aquela que permitiu a construção da Conlutas, depois CSP-Conlutas, também a partir de 2004.

Não vivemos um novo 1964
As manifestações registradas em março, abril e no último domingo podem lembrar as famosas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” de abril de 1964, mas as semelhanças com aqueles anos param por aí. Em 1964 não foi apenas um governo fraco e sem base popular de massa que entrou em colapso, foi um padrão de acumulação protagonizado pelo Estado e lastreado na industrialização de base e que envolvia uma prática política conhecida como populismo que naufragou. Naquela altura, não apenas as diversas frações das classes dominantes conspiraram para a queda de Jango, mas também militares das Forças Armadas, especialmente do Exército, e o governo norte-americano através do embaixador no Brasil Lincoln Gordon.

Quanto ao governo de Goulart, ressalte-se que, apesar de ser uma expressão do nacionalismo burguês com penetração nos sindicatos através do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), este quase não contava com dispositivos de massa que pudessem assumir a sua defesa. Ainda assim, em meio aos conflitos abertos na esteira de um imenso ascenso popular expresso nos movimentos sociais da cidade e do campo, como as Ligas Camponesas, o CGT, a UNE, com desdobramentos nas vanguardas culturais do cinema, teatro, música e literatura, uma pressão pela esquerda obrigou o governo a assumir o compromisso com algumas das reformas estruturais exigidas pelo país há tempos. Nesse sentido, o Comício da Central do Brasil de 13 de março de 1964 consubstancia aquela inflexão que vinha ao encontro de uma parte das expectativas de diversos setores, muito embora se mantivesse nos marcos do reformismo e o nacionalismo burguês.

O Comício da Central do Brasil foi sintomático da crise revolucionária vivida pelo país naqueles anos, aprofundada pelas revoltas dos militares (sargentos e marinheiros) que desafiavam a ordem e punham em causa a hierarquia. Tal ascenso popular, se nos remete, em alguma medida, para as formas de empoderamento referidas acima no período recente, no caso do Brasil lulista não encontram paralelo com a movimentação do governo atual, que não foi capaz de produzir um único deslocamento à esquerda. Da mesma forma tampouco se permite qualquer analogia com o descontentamento das classes dominantes e das frações burguesas no presente, haja vista que diferentemente das de 1964, quando as frações da burguesia associada ao capital internacional conspiravam abertamente contra a democracia através do complexo IPES-IBAD, no Brasil de Lula e Dilma a burguesia, especialmente o resntismo, impõe sua lógica, independentemente da necessidade de repactuação de compromissos da parte do lulismo.

É verdade que o forte descontentamento que desceu às ruas nos últimos tempos é incentivado por setores burgueses. Quanto a isso, não podem haver dúvidas de que os partidos burgueses tradicionais, especialmente o PSDB e o DEM, mas também o PMDB, chantageiam permanentemente o governo para que este assuma ainda mais intensamente uma agenda política conservadora. Entretanto, parece ser preferível às classes dominantes evitar o colapso do país, já que as possiblidades e de um golpe ou mesmo de um “golpe branco” através do impeachment de Dilma Rousseff é por demais arriscada, pois implicaria em risco de uma convulsão social de resultado incerto, pois se se considera que o PT dispõe de uma base social bastante mais consolidada do que Jango, seria improvável que qualquer medida intempestiva não desencadeasse um conflito de grandes proporções.

Por que não devemos ir ao ato do dia 20
Por tudo o que foi dito, não podem restar dúvidas de que é um erro acreditar que a democracia esteja correndo algum risco no Brasil neste momento. Isto não quer dizer que as classes dominantes não possam reavaliar sua postura mais adiante, mas não parece que o caminho preferencial seja a promoção do impeachment, reivindicado largamente pelos que foram às ruas no dia 16, e muito menos o golpe, reivindicado por setores mais exaltados, francamente fascistizantes.

Ainda assim não está dado que o governo do PT, que praticou toda a espécie de ilegalidade eleitoral, como muitos dos partidos que governam estados e municípios e o próprio PSDB, que o antecedeu na presidência, não possa ser emparedado em função das “pedaladas fiscais” ou do esquema de propina da Petrobrás. Não obstante, a exasperação de setores médios com as denúncias de corrupção que assolaram o país nos últimos meses, apesar de fazerem grande pressão sobre os partidos tradicionais burgueses, não representam para a grande burguesia que esta deve trabalhar para derrubar o governo do PT antes de 2018. Isso porque as várias frações da burguesia seguem se acomodando diante das últimas movimentações do governo. Este, após aprovar as MPs 664 e 665, que retira direitos dos trabalhadores, agora se prepara para levar adiante a chamada “Agenda Brasil”, um conjunto de medidas bem ao gosto dos setores do agronegócios, do capital financeiro, e da burguesia compradora, todos com grande presença no governo de Dilma.

Em virtude deste movimento de acomodação que tirou o governo das cordas nas últimas semanas, setores insuspeitas de serem governistas anunciaram posições pela governabilidade, como as Organizações Globo, o grupo FSP, a FIRJAN, a FIESP e a FIEB, o que pode servir para acalmar os ânimos no próximo período. Não obstante, em vista desta nova repactuação, o governo Dilma terá que ceder ainda mais, intensificando o ajuste fiscal e acentuando os cortes nos setores essenciais, como saúde, educação, previdência e reforma agrária.

Por seu turno, a postura das centrais governistas que se aproveitavam do medo para imprimirem uma espécie de chantagem aos movimentos sociais, pode cair no vazio. Até o momento, contudo, o que está apontado é que o ato convocado para o próximo dia 20 está mantido e que não será governista (sic), mas um ato por “Direitos, Liberdade e democracia”, ou como consta ainda na convocatória “Mobilização em todo o país contra a direita e o ajuste fiscal”. Mas será mesmo que o ato do dia 20 não terá um caráter governista? O fato de o PT não convocar, mas apenas o PCdoB e o PSOL, junto com movimentos sociais importantes como o MTST, demonstraria que o ato não será governista? Parece improvável!

Para quem assistiu a reunião de Dilma Rousseff com as mulheres da “Marcha das Margaridas” e depois com os movimentos sociais na última semana, não pode restar dúvida de que o governo e as entidades governistas, como a CUT, CTB e UNE, além dos movimentos sociais pró-governo, como o MST, se utilizarão dos atos para blindar o governo e reforçar seu apoio perdido ao longo deste ano. Quanto a isto, quem assistiu o vídeo da fala do dirigente do MTST, Guilherme Boulos, que dirigiu cobranças a Dilma e depois foi trocar sorrisos, beijos e abraços com a presidente, no dia seguinte a votação da Lei Antiterrorismo e um pouco antes de Dilma seguir negociando ainda mais ataques aos trabalhadores, pode ficar com a sensação de que alguma coisa não está funcionando bem neste discurso que critica o governo, mas lhe dedica afagos.

Obviamente que o impeachment não interessa aos trabalhadores, porque não se pode pôr a direção política do país nas mãos de Michel Temer, Eduardo Cunha ou de um Congresso ainda mais corrupto do que o Executivo. Todavia, como dissemos, esta alternativa, muito embora não esteja definitivamente descartada, parece ainda mais improvável diante dos últimos acontecimentos e acordos pela governabilidade.

Por fim, cabe ressaltar que a ruptura de um importante setor da classe trabalhadora com o governo Dilma, algo que se anunciou nas Jornadas de Junho de 2013, que alterou a correlação de forças para uma situação aberta e indefinida, deve ser potencializada pelo melhor da vanguarda dos movimentos sociais que já haviam rompido com o governo. Neste sentido, cerrar fileiras com o governismo no dia 20 significará dar um passo atrás nessa ruptura, porque ao invés de sepultar as ilusões do engodo do “governo em disputa”, ou as ilusões da chantagem do medo quanto ao risco de golpe ou de impeachment, voltaremos a acreditar que será possível construir um campo pela esquerda com os remanescentes do lulismo, incluindo o próprio Lula.  O que é preciso fazer é seguir em frente, construindo as greves no serviço público, exigindo das direções governistas que rompam com o governo e assumam a necessidade de construir a greve geral, contra os ataques do governo, contra o ajuste fiscal, pela construção de uma alternativa verdadeiramente de esquerda, protagonizada pelos trabalhadores.

Por fim a iniciativa da construção da plenária Unidade de Ação, que reuniu no último dia 03/08, em São Paulo, cerca de 65 entidades sindicais, populares, estudantis, políticas e partidárias, entre as quais a CSP-Conlutas e o ANDES-SN, apontam para a possibilidade de  uma alternativa concreta para organizar as lutas, chamando uma ampla mobilização nacional para o 7 de setembro, com organização de plenárias nos estados, contra o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e contra as medidas de ajuste fiscal. E para os que dizem que lavamos as mãos neste momento tão difícil, respondemos ainda com mais luta, mais greve e mais mobilização, no espírito de sepultar as ilusões com o governismo e de construir alternativas que verdadeiramente interessem à classe trabalhadora do país.

TEXTO 02
BASTA DE DILMA, CUNHA E AÉCIO: CONSTRUIR A ALTERNATIVA DOS TRABALHADORES (12/10/2015)

A propósito do texto “A esquerda socialista e o impeachment”, divulgado pelo professor Luís Filgueiras como subsídio a um debate que realizaria no CRH, valem algumas palavras a título de polêmica com o eminente colega, professor titular da Faculdade de Economia e com larga produção intelectual sobre o Brasil recente. Em primeiro lugar convém dizer da importância de se debater a conjuntura nos termos colocados no presente momento do país. Tal oportunidade se coloca no contexto de uma greve que atinge as IFES há cerca de 120 dias, greve esta que se situa como anteparo aos ataques desferidos pelo governo federal à educação pública no país só semelhantes àqueles dos anos 1990, tempos dos governos de FHC. É preciso dizer da necessidade de se estabelecer polêmicas francas com companheiros que na maior parte do tempo estão ombro a ombro conosco na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade e por um Brasil mais justo.

A greve que ultrapassa quatro meses de duração se insere numa conjuntura de imensa crise econômica e política. Nos últimos 120 dias o real foi substancialmente depreciado, com o dólar rompendo a barreira dos R$ 4,00, o Brasil teve nota rebaixada numa das agências de risco que retirou o grau de investimento no país, favorecendo ao movimento especulativo nas bolsas, enquanto a inflação permanece acima do teto de 6,5% e as previsões de redução do PIB são revistas para patamares ainda piores do que aqueles anunciados no início do ano, sugerindo-se um longo período de recessão. Ao lado da crise econômica uma crise política de grandes proporções parece ocupar as pautas do governo, principalmente após as manifestações de 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto, quando setores abertamente de direita acaudilharam milhares de pessoas para ocupar as ruas em protesto contra a corrupção e o governo Dilma. Sobre o assunto, nem mesmo as manifestações convocadas pelo sindicalismo e pelos movimentos sociais mais diretamente governista da CUT, CTB, da UNE e do MST, com a última adesão do MTST e de setores majoritários do PSOL no dia 20/08, puderam oferecer alternativas de real e efetiva defesa do governo, dado o seu caráter bastante minoritário se comparados aos atos da direita aqui mencionados. Ou seja, enquanto a crise econômica avança e impõe ao governo a necessidade de acentuar sua opção pelo setor financeiro, por vezes tendo que preterir frações da burguesia em função dos acordos que priorizam o rentismo, a crise política é, por vezes, arrefecida e por vezes recrudescida pelo fato de que as negociações passam cada vez mais ao largo da repactuação sempre necessária com os movimentos sociais que apoiam o PT, tornando o partido “livre” para negociar apenas com os de cima, enquanto pretere os setores subalternos.

A crise política que o país atravessa é de grandes proporções, mas sua solução não pode ser pensada apenas nos termos que as classes dominantes pretendem impor ao restante do país. Da parte dos trabalhadores, o fato de que o governo do PT começa a sofrer sucessivas rupturas que vão muito além do funcionalismo público que já havia rompido com o governo ainda no primeiro mandato de Lula, deve ser considerado como um fato positivo. Considerando que foi o sindicalismo governista o principal sustentáculo do lulismo na última década e meia, não há porque considerar como regressivo a ruptura que hoje vem se efetuando da parte de setores dos trabalhadores que hoje emprestam irrisório apoio a um governo que só tem a lhe oferecer retirada de direitos, ajuste econômico e opção pelos ricos.

Como é sabido, uma correta apreciação da correlação de forças, se não deve subestimar as capacidades das classes dominantes e dos agentes políticos em conflito e, consequentemente, superestimar as reais possibilidades dos trabalhadores, não pode negligenciar a dialética da luta de classes e das contendas em curso. Em vista disso, soa estranho que o professor Filgueiras se refira às manifestações que no dia 18/09 ocuparam as ruas da capital paulista e de algumas cidades do país como atos que são favoráveis ao impeachment e coincidem “com o objetivo maior das grandes manifestações da direita econômica, política e moralista ocorridas nos últimos meses no país”. Não parece adequado tomar manifestações que foram chamadas por organizações sindicais, populares e partidárias do campo dos trabalhadores, que portavam bandeiras e palavras de ordem típicas da nossa classe, com atos convocados pelo Movimento Brasil Livre (MBL), Movimento Vem pra Rua, SOS Forças Armadas e partidos como o PSDB e o DEM. Não parece correto dizer que camisas e bandeiras vermelhas vestidas e envergadas por lutadores da CSP-Conlutas, da ANEL, do PSTU, do PCB e setores do PSOL, além de diversas outras organizações, se confundam com a tonalidade moralista e verde e amarela das manifestações das direitas. Não se pode dizer que os manifestantes que foram às ruas no dia 18 e que são os mesmos que protagonizam as greves dos serviços públicos, dos metalúrgicos, dos rodoviários e metroviários, dos garis e de outras categorias pretendam que a solução dos conflitos e da crise passe pelo impeachment da presidente. Por certo há diferenças entre o “Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB” e o chamado a uma greve geral feito pelos setores que compareceram às ruas no dia 18/09 e o tema anticorrupção e a defesa do impeachment que motiva os manifestantes de 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto. Os trabalhadores sabem da diferença de uma coisa e outra e o professor Filgueras também! Não fosse assim a assembleia dos docentes da UFBA, que derrotou a proposta de ir para as ruas no dia 20/09 por duas vezes, entendendo tratar-se de um ato pró-governo, logo em seguida aprovou a participação nos atos do dia 18 na expectativa de enfrentamento com o governo que ataca os trabalhadores.

Ou seja, se devemos fazer o debate, precisamos começar por esclarecer o conteúdo das nossas diferenças, ainda que de forma fraternal e respeitosa. É justo que o colega tenha dúvidas se a defesa do “Basta de Dilma, Cunha e Aécio” é oportuno no momento; é possível que se esteja desconfiado se as condições atuais e a correlação de forças são propícias para que os trabalhadores coloquem uma bandeira de características ofensivas num momento que pode indicar que devemos ficar na defensiva. As dúvidas são legítimas e muitos militantes honestos tem questionado a este respeito, mas onde é que está colocado que em política só há dois lados? Numa palavra, se há contradições que determinam a existência de dois campos na política e essas contradições não são mediadas pela relação capital-trabalho e pela luta de classes, isso não é, em absoluto, um dado da realidade, mas uma interpretação da qual discordamos.

A questão principal, portanto, não é se estamos ou não a favor de Dilma e contra a direita, porque raciocinar assim é dizer que devemos escolher entre o pior e o menos pior, ainda que não possamos ter a certeza de quem é pior de fato se não experimentamos os dois. Lutamos contra as direitas tradicionais e também aquela que está no governo, mas lutamos principalmente contra nossos inimigos de classe do governo e de fora dele. A questão é que os trabalhadores e suas organizações não podem ficar à mercê do governismo e da oposição de direita, especialmente no momento em que uma parcela significativa de lutadores começa a romper de fato com o governo para propor alternativas. Pelo caminho proposto pelo professor Filgueiras, o ideal seria compormos uma frente com os setores que estão fora do governo, com aqueles que até ontem estavam no governo e mesmo com aqueles que não demonstram real disposição de romper com o governismo, mas procuram se relocalizar criticando pontualmente a política econômica de Dilma/Levy. Obviamente que o que está em jogo, neste caso, é a possibilidade de reeditar o projeto democrático-popular e salvar as figuras de Lula e dos parlamentares petistas, e também do PCdoB, no momento em que o governo está bastante fragilizado e loteando os cargos com o PMDB de Cunha, Temer e Renan para garantir a governabilidade. A propósito, no último dia 05/10 mais uma vez os governistas ocuparam as ruas, desta vez sob o argumento do defenderem a Petrobrás, mas o ato da Frente Brasil Popular não pôde esconder seu caráter pró-governo.

O professor Filgueiras cita Maquiavel e sua noção de fortuna e virtu para reivindicar as palavras magistrais da abertura do texto O dezoito de Brumário de Luis Bonaparte, onde se diz que “os homens fazem a história, mas não em condições de sua livre escolha, mas em condições que lhe foram legadas pelo passado”. Se seguisse um pouco mais adiante no texto, ainda no mesmo parágrafo, podia continuar citando Marx, quando ele diz que “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. O colega tem razões de temer a volta da direita e tem razões de supor que pode estar em curso um golpe à la Paraguai no Brasil, afinal de contas, a lembrança de 31 de março de 1964, e o recente episódio que culminou com a deposição do presidente Lugo no Paraguai, ainda é fresca entre nós. Entretanto, o passado não pode oprimir nosso cérebro “como um pesadelo”, porque precisamos tirar as lições da história para não repeti-la como farsa. Há algumas semanas eu, o professor Filgueiras e mais dois colegas debatemos a conjuntura e na altura eu argumentei que não me parecia provável que estejamos em vias de sofrer um golpe. Sobre o assunto, em 16/08, escrevi:

É verdade que o forte descontentamento que desceu às ruas nos últimos tempos é incentivado por setores burgueses. Quanto a isso, não podem haver dúvidas de que os partidos burgueses tradicionais, especialmente o PSDB e o DEM, mas também o PMDB, chantageiam permanentemente o governo para que este assuma ainda mais intensamente uma agenda política conservadora. Entretanto, parece ser preferível às classes dominantes evitar o colapso do país, já que as possiblidades e de um golpe ou mesmo de um “golpe branco” através do impeachment de Dilma Rousseff é por demais arriscada, pois implicaria em risco de uma convulsão social de resultado incerto, pois se se considera que o PT dispõe de uma base social bastante mais consolidada do que Jango, seria improvável que qualquer medida intempestiva não desencadeasse um conflito de grandes proporções.

As palavras ditas acima permanecem atuais, muito embora os riscos e as possibilidades de impeachment, que devem ser medidos semana a semana pelas frações burguesas descontentes com os rumos do governo, precisam também ser avaliados por nós, da esquerda socialista. A novidade das últimas semanas, entretanto, não é o recrudescimento da crise em função do rebaixamento da nota do Brasil numa agência de risco ou ainda mais elementos que robustecem a operação Lava-Jato. A novidade é justamente a entrada em cena da classe trabalhadora, ainda que de maneira embrionária, ainda que de forma minoritária, ainda que tendo muita desconfiança dos lutadores e dos setores combativos que se expressam nas várias greves pelo Brasil. As lições do passado devem nos servir para evitarmos o reboquismo, como ocorrido em 1964, quando as forças populares depositaram todas as suas esperanças no governo de João Goulart, bastante mais à esquerda do que o governo Dilma, diga-se de passagem. Quanto a isso, não temos dúvidas de que a principal tarefa do momento é sepultar as ilusões que ainda restam neste governo e tentar construir confiança entre os trabalhadores, para que estes edifiquem a real e efetiva alternativa que passa pela pavimentação do caminho até o poder. E se o percurso é tortuoso, não há porque procurarmos atalhos, pois os passos só podem ser dados com as nossas próprias pernas.