Desde as primeiras horas
dessa segunda, 26 de abril, fortes chuvas caíram sobre Salvador e região
metropolitana. Segundo fontes de institutos como o Climatempo já no domingo o índice
de chuva na capital atingiu os 100 milímetros, um terço da média prevista para
todo o mês de abril. A chuva dessa segunda foi ainda mais intensa e em alguns
pontos de captação de chuva monitorados pelo INEMA(Instituto de meio ambiente e recursos hidrícos) registrou-se um indicie de
200 milímetros.
Os efeitos de tamanha
intensidade de chuva vieram rápido. Ruas e até mesmo as principais avenidas,
entre elas a Paralela, Jiquitaia, ACM, Oceânica e Garibaldi amanheceram tomadas
pela água. O trânsito, tradicionalmente caótico, entrou em colapso fazendo a
cidade parar. Muitos trabalhadores tiveram de ir a pé ao trabalho e quem não
conseguiu sair de casa acompanhou aflito pelo rádio, TV ou internet as notícias
das graves consequências da chuva.
Na região da cidade baixa
o Hospital Santo Antônio, vinculado as obras assistenciais Irmã Dulce, foi
invadido pela água e as notícias deram conta que cerca de 120 pacientes tiveram
de ser deslocados às pressas com ajuda de médicos, enfermeiros e até familiares
de outros pacientes que estavam presentes na unidade de saúde. Escolas da rede
municipal e Universidades como a UNEB cancelaram oficialmente as aulas. A
própria Defesa civil, órgão do poder municipal, reconheceu a gravidade da
situação e orientou através de uma portaria de emergência que as pessoas permanecessem
em suas casas.
Nas encostas um drama de
raça e classe.
27 de abril, localidade
de Marotinho próximo ao bairro Bom Juá. A chuva forte que cai encharca o solo e
faz deslizar sobre as casas o barro da encosta. Casas são soterradas, a
comunidade se une para ajudar. Dos escombros que antes eram casas e agora foram
tomados pela lama, alguns são retirados com vida porém, 5 não conseguiram. Ao
todo já foram 12 mortes na cidade e centenas de desabrigados. Não
compartilhamos do sensacionalismo midiático. Sofrimento não é espetáculo e o
PSTU se solidariza com os familiares e amigos das vítimas.
Aliás, repudiamos a
cobertura feita por parte da imprensa que associou indiscriminadamente
manifestações legítimas com arrastões que causaram pânico em motoristas e
trabalhadores que estavam nos ônibus e carros presos nos congestionamentos.
Rechaçamos os arrastões com a mesma energia que reivindicamos o direito legítimo
de se manifestar daqueles que foram para as ruas gritar ao mundo sua dor e
revolta, rompendo a costumeira invisibilidade imposta pelos governos e a elite.
Infelizmente o que
aconteceu no Marotinho, na San Martin e em tantas outras localidades da cidade
não foi algo inesperado ou uma tragédia fruto do imponderável. Toda vez que
fortes chuvas caem sobre Salvador o drama maior tem endereço, raça e
classe social. O povo negro e pobre da periferia é a maior vítima da
irresponsabilidade e do descaso com que os sucessivos governos municipais e
estaduais tratam a questão do planejamento urbano na terceira maior capital do
país.
Salvador acompanhou o
boom de crescimento populacional nas zonas urbanas que vivenciou o Brasil na
segunda metade do século XX. Ocorre que aqui, assim como nas demais capitais e
principais cidades brasileiras, esse crescimento populacional não foi
acompanhado de políticas públicas voltadas para garantia de moradia digna,
saneamento básico, transporte, educação e demais direitos sociais que garantem
juntos o pleno direito á cidade.
Em Salvador a população
de renda mais baixa, de maioria negra, trabalhadores e trabalhadoras que ocupam
os postos de trabalho mais precarizados ou informais, são empurrados para morar
na periferia. Muitos deles ao não receber nenhuma resposta dos governos sobre a
questão da moradia, acabam por encontrar suas próprias saídas e se arriscam em
casas situadas em encostas e demais locais de risco. Na maioria das vezes é
isso ou morar nas ruas, porque o preço médio dos aluguéis na capital são muito
acima daquilo que famílias com renda média de um salário mínimo podem pagar.
Quando vem as chuvas os
mesmos órgãos municipais e estaduais que nada fazem para resolver o problema
estrutural da falta de planejamento urbano, veem a público através da imprensa
para responsabilizar as pessoas que “insistem
em se colocar em situação de risco mesmo com todos os avisos do órgãos públicos”.
Seria cômico se não fosse trágico, não satisfeitos em nada fazer para mudar
verdadeiramente a situação, os governos na hora que ocorrem as tragédias se
esquivam responsabilizando a chuva e culpabilizando as vítimas.
ACM Neto, seu desgoverno
é responsável pelas consequências da chuva.
O prefeito ACM Neto veio
a público e disse que “Nesse momento a
prioridade da prefeitura é preservar vidas”. Essa declaração, aparentemente
carregada de um senso de humanidade, esconde um cinismo de um gestor que em seu
terceiro ano de mandato não teve o mínimo interesse em reverter o quadro
crônico da crise urbana da capital.
Para se ter uma ideia o Plano
Diretor de Encostas elaborado pela CODESAL é de 2004! Mais de uma década se
passou e ACM Neto e o ex-prefeito João Henrique nada fizeram para atualizar o
mapeamento da prefeitura sobre o crescimento e a ocupação territorial em
Salvador. Em 2004 o plano diretor de encostas apontava 433 áreas de riscos em
Salvador (ampla maioria na região do subúrbio ferroviário), agora, passados 12
anos, e com a ausência de políticas públicas de planejamento acreditamos que
houve um aumento qualitativo no número de áreas que oferecem risco a população.
Para piorar, durante a
gestão de João Henrique, que ao longo de seus 8 anos recebeu apoio tanto do DEM
de Neto quanto do PT de Rui, se tentou levar a cabo a implementação de um novo
PDDU que vai na contramão da necessidade de se pensar o planejamento urbano com
foco no bem estar e na busca por condições dignas de vida para a maioria da
população. O PDDU de João Henrique, apoiado pelo PT e o DEM foca apenas nos
interesses da especulação imobiliária, uma contra-reforma urbana indiferente e
hostil ao povo, em especial aos trabalhadores e trabalhadoras negros que vivem
nos bairros periféricos e nas encostas de Salvador.
Salvador precisa de uma
verdadeira reforma urbana.
Não basta culpar as
chuvas e lamentar as vidas perdidas. O prefeito ACM Neto precisa assumir sua
responsabilidade enquanto chefe de um governo que não moveu esforços para mudar
o atual quadro de crise urbana em Salvador. Não faltou dedicação e dinheiro
para nova orla da Barra e para o Réveillon de 8 dias com super estrelas e seus
super cachês. Por outro lado, sobram desculpas para tentar disfarçar a falta de
interesse político para mudar uma situação que coloca em risco a vida de
milhares de pessoas.
Cabe também ao governo do
Estado uma postura mais determinada nesse sentido. Tanto do ponto de vista do
socorro imediato aos familiares das vítimas e as centenas de desabrigados,
quanto no investimento estratégico em prol de um planejamento urbano que tem
como foco as periferias e o povo trabalhador em detrimento dos interesses do
empresariado e da especulação imobiliária.
O PSTU defende que
Salvador necessita de uma verdadeira reforma urbana. É preciso inverter a
lógica atual de privatização e entrega da cidade aos interesses privados e
trabalhar no sentido de dar condições dignas de vida aos trabalhadores que são
a ampla maioria da população. É necessário romper com os interesses privados
das elites e voltar os olhos para as periferias, para o povo que mora nas
centenas de áreas de risco espalhadas pela cidade. O povo que hoje não tem o
seu direito pleno a cidade garantido. Uma vez mais, o PSTU se solidariza as
famílias das vítimas que perderam suas vidas, e também aos centenas de
trabalhadores e trabalhadoras que tiveram suas casas arrasadas pela chuva.
Salvador, 27 de abril de 2015.
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