quarta-feira, 22 de abril de 2015

Após a vitória do 15/04 é preciso fortalecer a unidade na luta contra o PL das Terceirizações e o Ajuste Fiscal.

Uma polêmica sobre a proposta de Constituinte Exclusiva para a Reforma Política.

Josias Porto
Coordenação Estadual PSTU-BA.


A realização do ato unificado no último dia 15 de abril foi uma grande vitória da esquerda e da classe trabalhadora. Mesmo com todo o boicote da mídia é inegável a força que teve essa mobilização unitária. Mas ela ainda não é suficiente pra derrotar o projeto de lei das terceirizações, o PL 4330, nem os planos de ajustes fiscais. O congresso já sentiu o baque, adiou a votação; mas não cederá se nossas lutas não avançarem mais. Esse momento exige muita responsabilidade da direção das centrais sindicais e dos movimentos sociais. Acreditamos que é possível e necessário caminharmos para a construção de mais lutas e de uma greve geral no país.

A luta unitária em torno de bandeiras comuns, contudo, não pode nos eximir de debater as nossas diferenças. Muito pelo contrário, são nesses momentos decisivos que a profunda discussão se coloca como imprescindível, porque acertos e erros tornam-se ainda mais questões de vida ou de morte para o movimento. Por isso queremos aprofundar o debate com diversos setores da esquerda que colocam a luta pela Constituinte a favor de uma Reforma política como central para a classe trabalhadora no próximo período. Em nossa opinião esse é um grande equívoco, com implicações perigosas.


A falsa democracia do regime eleitoral e político.

De fato o atual regime eleitoral e político do país são extremamente antidemocráticos. Uma série de mecanismos fazem das eleições um jogo de cartas marcadas. A começar pelo escandaloso controle das candidaturas a partir do financiamento privado, mas não é só isso, as condições para as candidaturas, por exemplo, não são de forma alguma “justas”: a distribuição desigual do tempo de TV e rádio, que favorece as grandes coligações e os partidos que já estão no poder; a liberdade para as emissoras praticamente definirem as regras para debates e entrevistas, dando a elas o poder de estabelecer as candidaturas que “de fato são pra valer”, e poderíamos seguir citando uma infinidade de outros absurdos. 

Se esse sistema já limita bastante o “caráter democrático” das eleições, se articulam nos bastidores do congresso uma contra reforma política que pode piorar ainda mais as coisas. Sob o argumento de criar restrições para as chamadas “legendas de aluguel” (partidos sem ideologia bem definida, que existem mais para barganhar tempo de TV e outros benefícios), pretendem aprovar uma série de medidas que visam atingir os pequenos partidos (quando na verdade a principal legenda de aluguel é o maior de todos os partidos, o PMDB). Dentre tais medidas estão a “cláusula de barreira”, estabelecendo um percentual mínimo de 5% do total de votos para que cada partido possa eleger parlamentares; e o “voto distrital”, em que se dividiria o eleitorado dos estados e cidades em distritos, e a votação de deputados e vereadores se daria a partir do mais bem votados em cada um deles, favorecendo os “coronelismo político”.

Para além do processo eleitoral, o regime político como um todo é problemático. As diversas instituições “democráticas” possuem um estrutura que favorece o controle por parte dos empresários e não dos trabalhadores. Ou quem passa horas no trabalho, no ônibus e depois precisa se dedicar à tarefas domésticas e ao cuidado dos filhos (o que pesa a inda mais para as trabalhadoras) têm condições de acompanhar as “confusas” e extensas discussões que acontecem no congresso? Pra não falar dos indecifráveis pareceres do STF ou de qualquer órgão da justiça. Os empresários, por sua vez, contratam os lobistas, que não só acompanham, mas compram os deputados para votar nas leis de seus interesses. Na câmera, mesmo quando pela força das mobilizações alguma lei progressiva é aprovada, existe o senado para vetar. Ou seria casual que essa segunda instância tenham um mecanismo de composição que o torna ainda mais conservador (igual número por estado, sem respeitar a proporcionalidade de habitantes, e mandatos de 8 anos)?

Por tudo isso nós do PSTU achamos que a luta contra esse regime político e eleitoral é progressivo, e por isso somos a favor e pautamos uma reforma política: que acabe com o financiamento privado e estabeleça um financiamento público e igualitário de campanha, que acabe com as desigualdades no processo eleitoral, como tempo de TV etc, que equipare o salário de todos os políticos ao dos professores, que inclusive avance para a extinção do senado. Achamos que também está na ordem do dia lutar pra derrotar a contra reforma em andamento. Mas não concordamos em colocar a reforma política como a principal saída para nossas lutas, muito menos a defesa da constituinte como a tarefa central do movimento de massas nessa conjuntura.


Quais as chances de uma Constituinte resultar em retrocessos?

Uma Constituinte é uma assembleia de deputados, o que difere é que é eleita exclusivamente para alterar ou mesmo refazer a constituição. Uma questão a ser colocada é a probabilidade dela resultar em mais retrocessos que avanços. Aqui não se trata apenas de um “risco a correr”, mas sim de colocar todas as nossas lutas em função de uma tarefa que tem mais possibilidade de fazer retroceder nossos direitos que avançá-los. A tendência é que a composição de uma Assembleia Constituinte não seja muito diferente da composição extremamente conservadora do atual Congresso. Mesmo que avance o processo de mobilização no país, fortalecendo a correlação de forças a favor da classe trabalhadora, é preciso considerar que as eleições, ainda que se mudem algumas regras, são um campo muito mais favoráveis para “eles” que para “nós”. A relação de forças no Parlamento e nas eleições não é uma expressão direta desta relação na sociedade, mas é distorcida em favor “deles”. O fato dos partidos de direita e inclusive da mídia até agora terem ignorado o tema, expressando não querem uma Constituinte, não é a comprovação de que esta é a saída para derrotá-los, este é um raciocínio simplista demais.

Não achamos que é através de uma Constituinte que virá uma Reforma Política a favor da classe trabalhadora, com isso não negamos a importância da luta por mudanças no atual regime político. Nós por exemplo fomos o primeiro partido a entrar como parte interessada na  ação movida pela OAB contra o financiamento privado, que o ministro Gilmar Mendes pediu vistas pra não ser aprovado. Mas queremos saber: qual o compromisso do governo Dilma e do PT com tais medidas? O que foi feito de concreto nos últimos anos para que houvesse uma maior democratização do regime político. Até agora o PT por exemplo não se posicionou sobre questões como a concentração de mais tempo de TV nas mãos dos grandes partidos, que controlam hoje o congresso. Dilma e o PT são aliados para derrotar a contra reforma reacionária e conquistar medidas progressivas nesse terreno?


A Reforma Política é a tarefa central?

Mas o principal problema, ao nosso ver, é colocar o tema da Reforma Política como o carro chefe, a grande saída, a chave para tornar possível a resolução dos problemas do país. No site oficial do Plebiscito afirma-se que as reivindicações das ruas em junho de 2013, por exemplo, “Não foram atendidas porque a estrutura do poder político no Brasil e suas ‘regras de funcionamento’ não permitem que se avance para mudanças profundas.” Logo, o principal entrave hoje no país que impediria que qualquer transformação profunda se realize seria a estrutura do Congresso. 

O raciocínio que se infere daí fortalecem duas ilusões na consciência dos lutadores. A primeira é que o que impede o governo Dilma de implementar medidas que transformem profundamente o país é a estrutura conservadora desse Congresso. Acontece que muitas medidas do executivo não passam pelo Congresso, nosso sistema não é parlamentarista! Ou os leilões do Campo de Libra, medida tomada por Dilma logo após as jornadas de junho, foi feita por pressão do Congresso? Muito pelo contrário, o governo poderia ter aproveitado as mobilizações para destinar todos os recursos do petróleo para fins sociais, e se apoiado nessas lutas para derrotar os interesses privatistas, mas não o fez.

Claro que existem medidas em que o Congresso tem uma importância decisiva. Mas não é se apoiando nele, mesmo que este fosse “mais favorável”, que o governo Dilma poderia encontrar forças para governar para os trabalhadores e não para os banqueiros, empresários e latifundiários, como tem feito. O caminho para isso seria impulsionar e se apoiar nas lutas de nossa classe. Infelizmente, a postura de Dilma com as Medidas Provisórias 664 e 665, a composição reacionária do ministério presidencial e os cortes nas áreas sociais para favorecer os ajustes fiscais, tem mostrado que essa possibilidade não existe. O governo não está em disputa, mas escolheu um lado, que não é o nosso. Não concordamos com a leitura de que as medidas do governo se explicam pelo “cerco conservador”, e que este “cerco” só pode ser desarticulado com a luta pela Constituinte. A única forma de “furar” qualquer “cerco”, se o governo estive disposto a isso, seria se apoiando nas mobilizações dos trabalhadores.

A segunda ilusão é a que se constrói no próprio Congresso e no regime político que temos em nosso país com essa defesa da Constituinte. Como se o a questão central fosse apenas mudar “as regras do jogo” e não o caráter de classe destas instituições. A luta contra esse Congresso não pode reforçar a confiança nessa instituição, caso seu funcionamento fosse diferente, porque o problema dessa e de todas as instituições desse Estado não são apenas o seu funcionamento. Os problemas em seu funcionamento são expressões de algo muito mais profundo, sua essência, que é servir aos interesses da classe dominante. Nossa luta tem que ser canalizada para desmascarar as instituições desse Estado, para que a classe trabalhadora possa caminhar no sentido de criar suas próprias instituições de poder, e não tente reformar os instrumentos da classe inimiga. 

Os trabalhadores não podem concluir que para derrubarem o PL 4330, para derrotar a MP 664 e 665, os cortes nos serviços públicos e o os ajustes fiscais precisam fazer uma reforma política, para que um outro Congresso mais “democrático” e mais “representativo” tornem isso possível. Ou seja, acreditar que é pelo Congresso, desde que com outras regras, que vai passar as mudanças do país. Opinamos exatamente o contrário, a luta contra o financiamento privado de campanha, contra os diversos mecanismos antidemocráticos desse regime, é que devem levar os(as) trabalhadores(as) a concluírem que suas conquistas não virão dessa “democracia dos ricos”. Não virão desse Congresso, mesmo que mudem algumas de suas regras, pois ele nada mais é que um “balcão de negócios dos empresários”. Que derrotar o atual plano econômico de Levy e de Dilma, e avançar para mudar país, só poderá ser obra de sua própria organização e luta.

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