Thame Ferreira,
Escritora, atriz e estudante
de Bacharelado Interdisciplinar em Artes na UFBA.
Os premiados do Oscar 2015 mal terminaram
de comemorar e os olhos do mercado já estão voltados para as próximas grandes
produções: Essa é a velocidade da arte-mercado, da produção em massa para o
lucro de grandes corporações, da arte mainstream
dirigida pela economia capitalista. Portanto, já-já nem mais nos lembraremos que esse prêmio elitizado, baseado
no gosto de um setor de intelectuais, produtores e grandes corporativistas teve
uma característica peculiar e que deve ser utilizada para incitar reflexões: A
maior aparição de setores oprimidos como negros, mulheres, LGBTs e imigrantes.
Não que isso signifique que essa premiação vem se tornando mais democrática.
Mas esse cenário por si só carrega como significado simbólico a necessidade
objetiva da democratização da arte. Há um panorama de contradições que vem
tornando latente e necessário o debate do acesso e da produção artística.
As redes sociais ficaram cheias de
comentários sobre a noite, em geral felizes pelas expressões contra o machismo,
racismo e homofobia. Uma porção de ativistas da luta contra opressão se
incomodaram com a repercussão dessas ações isoladas. Certo, apesar de parecer
hipocrisia vindo de um espaço tão injustos e privilegiado, de fundo, demonstra
que existem questões que não podem mais passar despercebidas. Então aí não há
porque se incomodar. O local onde nosso incomodo deve residir não deve ser no "falarem
de lá", mas sim, o sistemático silêncio sobre aqui. O silêncio diante de
fatos que são determinantes para o cotidiano da arte e cultura baiana como a
nomeação do novo secretário de cultura, Jorge Portugal ou a possibilidade do
fechamento do circuito de cinema Saladearte em Salvador.
Não é a primeira vez que uma sala
de arte fecha por falta de patrocínio. Em 2006 a que existia no clube baiano
foi fechada. Essa cena repetiu um padrão típico de Salvador, quando um espaço de cultura é fechado para dar lugar ao comércio, outro
exemplo aconteceu com o Teatro Maria Bethânia e o Cine Rio Vermelho. Seguindo
essa triste tradição, recentemente foi anunciado o fechamento da sala no
Museu Geológico. Esse circuito já teve oito
salas, mas restarão agora apenas dois espaços, o Cine Vivo (shopping Paseo
Itaigara) e o Cinema da Ufba, na Faculdade de Educação da Universidade Federal
da Bahia (Vale do Canela). Ambos com crise financeira e na iminência de
fechar. Estamos tratando de um espaço
que há 15 anos ainda permitia, dentro das limitações, a exibição dos filmes fora
do circuito oficial e excludente de cinema. A pergunta que grita é, até quando?
Falar agora da secretaria de
cultura e das perspectivas para o próximo período é um passo automático: Uma
gestão de cultura precisa pensar centralmente para quem e para quê o estado
deve priorizar os investimentos. Estamos num momento de contingenciamento de
verbas, de cortes em diversos setores feitos pelo governador Rui Costa, e de
uma secretaria que aos olhos de muitos parece "artigo de luxo". Isso
porque a hipocrisia das elites funciona assim: Apesar do acesso à arte e da
possibilidade de construção de eventos culturais serem algo orgânico para ela, para
a vida da juventude e trabalhadores esse direito ainda é tratado como algo que
não é vital, mas supérfluo. Fato é que em um país como nosso, em que o acesso a
bens como a educação, saúde, transporte tornam-se cada vez mais precários, e só
avançam a partir da luta direta, do engajamento, a cultura e os profissionais
da área precisam se compreender como parte desse pacote básico arrancado por
combate das mãos dos governantes. A classe trabalhadora e sua juventude devem
ter direito ao pão e também a poesia, e para isso, o primeiro passo é
compreender a poesia também como vital.
Nesse cenário, pensar uma
secretaria de cultura ativa é pensar uma secretaria que se integre com a questão
do transporte público. O passe livre é uma pauta latente e mobilizadora no
Brasil, pois esse direito é tratado como um serviço de pior qualidade. E que na
prática, serve exclusivamente para pegar o estudante e trabalhador em casa, levá-los
pro trabalho, e vice-versa. Colocar em prática a democratização da arte como
lazer é garantir transporte e segurança em horários alternativos e não
comerciais, para que seja possível a ida a um cinema, show, teatro sem a
preocupação de não ter como voltar para casa. Acesso a cultura e arte é,
portanto, também segurança pública. E não essa política de genocídio da juventude
negra da periferia, um dos setores mais artísticos e culturais da nossa cidade.
Logo, quando os governos e prefeituras investem nessa lógica de segurança, que
mata jovens, está cotidianamente assassinando nossa cultura.
É preciso repensar as prioridades
das gestões. É preciso questionar esse modo de gerir cultura que transfere para
a esfera privada a maior parte de injeção de investimentos. Ou seja, quem regula
a arte é um mercado ditado pela economia capitalista. Logo, que tipo de acesso
poderíamos esperar desse setor que tem como mola propulsora o lucro? O Estado
precisa tomar pra si a responsabilidade de investir em arte e cultura através
do seu orçamento, a partir da riqueza produzida pelo povo. Porque as elites não
precisam do Estado para isso, elas são consumidoras de arte e ainda vomitam a
falsa ideologia de que o povo é incapaz de compreendê-la. Que o povo é insensível
aos saberes artísticos e eruditos, ou pior (e muito comum, inclusive nas
universidades) que o povo não tem cultura! Pois digo que quem é insensível é o
Estado, são os governos e se também silenciam, os gestores. Sim, pois em vez de
se tornarem ponta de lança ao propor uma reestruturação da lógica de como é
tratada a arte e cultura pelo Estado e de como elas se correlacionam com todos
os aspectos da vida da população, seguem reproduzindo a lógica da
mercantilização desses bens básicos.
Certamente um leitor envolvido na
área deve estar pensando, mas e a política de edital, não representa um avanço?
Bom, por mais que ela acabe, na teoria e aparência, com as indicações, na
prática e essência segue reproduzindo esse modus
operandi: A necessidade de subsídios privados; a presença de nomes de peso
no elenco ou produção; a seleção marcada pela definição de temas ou julgamento
da qualidade de obras e por aí vai. Quem julga? O Estado? Gestores? Uma
comissão composta por quem? – Certamente não pelo povo. Há uma confusão
tremenda nisso tudo! Uma turbidez na compreensão do papel do Estado; que não é
definir ou escolher o que é arte, o que é cultura, e quem vai ter investimento para concretizar
projetos; mas permitir que o povo viva essa parte essencial da vida humana, a
partir de investimentos diretos e permanentes do orçamento, principalmente nos
espaços públicos e periferias. Assim, garantindo que os trabalhadores e a
juventude possam exercer esse direito livremente, sem meritocracia ou filtros e
censuras disfarçadas de competência profissional.
Diferentemente do que afirmou na posse e da opinião do
antigo secretário Albino, o principal problema da Secretaria não é a limitação
de recursos financeiros e humanos. Sem dúvidas isso também é parte da
dificuldade, à medida que menos de 1% foi investido do total do estado. Mas o
desafio do novo Secretário da Cultura Jorge Portugal é muito mais profundo.
Isto é, pensar a cultura e a arte em Salvador como um bem universal, um direito
imaterial e não uma mercadoria a ser barganhada entre o poder público e
empresas em detrimento dos interesses da população. E dentro desse bojo pensar
como os profissionais da arte e cultura devem ser valorizados, afinal são
trabalhadores que estão vendendo sua força de trabalho e precisam sobreviver. Mas
o que se pode esperar de um "educador" que furou a greve histórica
dos professores do estado por melhores condições de trabalho e estrutura da
educação básica baiana em favor do seu próprio bolso? Jorge Portugal ganhou
cerca de um milhão com o cursinho subsidiado pelo Governo Wagner (PT) para
desmoralizar e enfraquecer a greve da categoria em 2012.
Não podemos prever o futuro, apesar
dos esotéricos tentarem. Mesmo quem não tem um pé no esoterismo pode arriscar
um palpite, pois sim, é fácil duvidar de um secretário com esse histórico. E mais,
que em seu discurso de posse estava mais preocupado em poetizar do que falar de
forma objetiva o que pretende com a gestão. Apreciar literatura e poesia em
nada tem relação com um secretário se utilizar da posição de destaque de um
cargo para autopromoção artística (como muitos usam). Se na greve ele pensou
apenas no seu bolso como será sendo gestor? Sua gestão deveria estar a serviço de uma
mudança de paradigmas no investimento e acesso a arte e cultura na Bahia, mas nossas
expectativas sobre sua gestão não deve alimentar ilusões.
Citando os educadores e artistas Maria Elisa
Cevasco e Ademar Bogo, nessa conjuntura, a crítica cultural pode ser um
eficiente instrumento de descrição do funcionamento da sociedade; e a cultura possibilita e engendra a arte, que é o seu
estado supremo e soberano. Portanto, que nós artistas cada vez estejamos mais
atentos e ativos, pois somos parte da mudança necessária. Como diria um grande
ator Diego Alcantara: Que os artistas voltem a ser perigosos! Que fiquemos de
olho no cenário artístico e cultural na Bahia, pensemos formas de manter
espaços como o circuito Saladearte e pressionemos constantemente Jorge
Portugal, Rui Costa e ACM Neto, sendo sujeitos críticos e ativos no processo de
democratização da arte e valorização da cultura baiana. Nossos anseios não irão
brotar de um chão sem que as sementes sejam cultivadas, afinal, essa é a raiz
do significado de cultura, do latim colere;
cultivar. Portanto, que cultivemos!
0 comentários:
Postar um comentário