NOTAS PARA A ANÁLISE
DE CONJUNTURA - 18/08/2015
|Por Luiz Filgueiras, Professor Titular da Faculdade de
Economia da UFBA
1-
O Partido dos Trabalhadores, suas Direções e o Lulismo são os responsáveis
fundamentais, principais, pela recente ofensiva política da direita e a
ampliação e difusão de sua ideologia e dos seus valores na sociedade
brasileira.
A
partir dos anos 1990, após a derrota eleitoral das forças de esquerda no ano
anterior, representadas pela candidatura de Lula, e o início da efetivação da
agenda neoliberal pelo Governo Collor, iniciou-se o processo de transformismo
do PT - que o levaria definitivamente, após a vitória de Lula nas eleições de
2002, para o campo da defesa da ordem capitalista num país periférico. Essa
vitória, tal como ocorreu - lembrem-se da Carta ao Povo Brasileiro -, teve como
pré-condição fundamental a aceitação prévia dessa ordem.
Diferentemente
do transformismo da socialdemocracia europeia, o processo de transformismo do
PT iniciou-se antes da sua chegada ao governo e, portanto, antes mesmo da
implementação de qualquer de seus pontos programáticos. No entanto, tanto lá
como cá, a circunstância decisiva para o transformismo foi a ascensão
político-ideológica do neoliberalismo nos países capitalistas e a derrota do
chamado “socialismo real” - em que pese o PT ter nascido criticando essa
experiência.
O
transformismo político, individual e/ou de grupos, se caracteriza pela
incorporação, pelas forças contra hegemônicas, do ideário político da ordem -
passando a defendê-lo e a operacionalizá-lo na prática, mas mantendo um
discurso e uma retórica que lembram ainda a sua atuação passada, mas já fora de
lugar. Mas o transformismo político é acompanhado, necessariamente, pelo
transformismo ideológico, ético e operacional. Daí não haver nenhuma surpresa
nos escândalos de corrupção do “Mensalão” e, agora, da chamada operação
“Lava-Jato”. A corrupção na esfera social e política não se trata apenas, nem
fundamentalmente, de um problema meramente moral e individual; ela está incrustada
nos mecanismos institucionais da ordem burguesa e na “balcanização do Estado”.
No caso do Brasil, podem ser citados, por exemplo, o financiamento privado das
campanhas eleitorais, as emendas parlamentares individuais, a enorme quantidade
dos chamados cargos de confiança e a fragilidade jurídica e de fiscalização das
relações entre o Estado e o capital - em especial as licitações, mas não
apenas. Todos os partidos que atuam defendendo e se comprometendo com essa
ordem, e seus respectivos governos, inevitavelmente se corrompem; basta lembrar
o Governo Sarney (tido, então, como o mais corrupto da história), o Governo
Collor (“o caçador de marajás”) e o Governo FHC (com o seu processo mafioso de
privatizações das empresas públicas e a compra de votos de deputados para
aprovação de um segundo mandato).
Mas
a denúncia e a crítica (em geral, cínicas e hipócritas) à corrupção é sempre,
em todos os países e em todos os momentos, uma arma política poderosa; no
Brasil, especificamente, podemos citar o “mar de lama” que levou ao suicídio de
Getúlio Vargas, a eleição de Jânio Quadros com a sua “vassoura”, o golpe
militar de 1964, a eleição de Collor e a sua derrubada e, agora, as
manifestações contra a corrupção na Petrobrás e a defesa do impeachment. A
corrupção é sempre a ponta do iceberg e o elemento mobilizador; no entanto, no
fundo, encoberta, se encontra a luta entre as classes e frações de classes por
seus interesses, em disputa pela hegemonia e o controle do Estado.
O
transformismo político-ideológico-moral do PT, ao desarmar politicamente os
setores populares e os movimentos sociais, transformando-os em boa medida em
correia transmissora do Lulismo - fenômeno crucial para a
destruição/descaracterização do PT e a sua subordinação ao governo - criou a
atual conjuntura política adversa para os valores e as propostas da esquerda
socialista. Independente do que venha ocorrer no futuro imediato, todo esse
processo tem ajudado a desmoralizar a esquerda socialista em geral e a dar
combustível para a direita e as forças reacionárias. A luta da esquerda
socialista, pela conquista da hegemonia na sociedade, que já era difícil,
tornou-se, a partir de agora, muito mais desfavorável; essa é a herança
dramática que o PT, o Lulismo e os seus Governos estão deixando para as forças
socialistas anticapitalistas.
Por
tudo isso, não se pode ter ilusão a respeito da sinceridade do socialismo e do
projeto político do PT, em que pese a existência no seu interior, em posição
subordinada, de tendências políticas socialistas e com as quais devemos
dialogar. O seu transformismo não tem retorno e, agora, a sua desmoralização é
incomensurável. Constato isso com uma enorme tristeza; uma experiência
socialista que criou enormes esperanças, não só no Brasil, mas que terminou por
se transformar em seu contrário.
2- A natureza dos
Governos de Lula e Dilma
No
Brasil, as políticas e reformas neoliberais iniciadas a partir do Governo
Collor acabaram por constituir um padrão de desenvolvimento capitalista que
pode ser denominado como sendo Liberal-Periférico. Esse padrão se aprofundou
durante os Governos de FHC e se consolidou durante os Governos Lula e Dilma.
As
características estruturais fundamentais desse padrão, que o diferencia do
padrão anterior - o conhecido Modelo de Substituição de Importações -, podem
ser resumidas em cinco pontos:
1-
A relação capital/trabalho teve a sua assimetria aumentada a favor do primeiro,
em razão da reestruturação produtiva e da abertura comercial - que implicaram o
crescimento do desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e
da precarização do trabalho em todas as suas dimensões. Como consequência, a
capacidade de organização, mobilização e negociação dos sindicatos se reduziu
dramaticamente.
2-
As relações intercapitalistas, em razão da abertura comercial e financeira e
das privatizações, foram redefinidas, alterando-se a posição e a importância
relativa das distintas frações do capital no processo de acumulação e na
dinâmica macroeconômica: o capital financeiro (nacional e internacional) passou
a ocupar posição dominante, deslocando a antiga hegemonia do capital
industrial; o capital estatal perdeu relevância em favor do capital
estrangeiro; e fortaleceram-se grandes grupos econômicos nacionais
produtores/exportadores de commodities e o agronegócio.
3-
A inserção internacional do país na nova divisão internacional do trabalho se
alterou para pior, aumentando a sua vulnerabilidade externa. De um lado, a
pauta de exportação do país se reprimarizou e se aprofundou o processo de
desindustrialização iniciado ainda na década de 1980. De outro, cresceu
dramaticamente a sua dependência financeira, fragilizando o Estado e reduzindo
fortemente a sua capacidade de fazer política macroeconômica. Tudo isso
decorreu da abertura comercial e financeira que também alimentou a
desindustrialização do país e o crescimento da dívida pública.
4-
O papel e a importância do Estado, no processo de acumulação e na dinâmica
macroeconômica, se alteraram - em virtude do processo de privatização e da
abertura financeira. O Estado fragilizou-se financeiramente e perdeu capacidade
de regular a economia e de implementar políticas macroeconômicas e de apoio à
produção.
5-
Por fim, em razão de todas essas mudanças, e ao mesmo tempo alimentando-as,
constituiu-se um novo bloco no poder, sob a hegemonia do capital financeiro,
que passou a ditar as políticas fundamentais do Estado.
Em
suma, o padrão é liberal porque foi constituído a partir da abertura comercial
e financeira, das privatizações e da desregulação da economia, com a clara
hegemonia do capital financeiro - frente às demais frações do capital. E é
periférico porque o neoliberalismo assume características específicas nos
países capitalistas dependentes, que o torna mais regressivo ainda quando
comparado a sua agenda e implementação nos países capitalistas centrais.
Do
ponto de vista da dinâmica macroeconômica, a característica fundamental desse
padrão de desenvolvimento capitalista, que aprofundou ainda mais a dependência
tecnológica e financeira do país, se expressa na sua extrema instabilidade e em
uma grande vulnerabilidade externa estrutural - que acompanham de perto as
alterações cíclicas da economia internacional. Esse padrão de desenvolvimento,
com as características estruturais aqui mencionadas, iguala todos os governos
brasileiros que se sucederam a partir de 1990.
No
entanto, esse padrão de desenvolvimento, desde a sua constituição, e a depender
da conjuntura econômica internacional, passou por distintos regimes de política
macroeconômica: a âncora cambial do Plano Real no primeiro Governo FHC, o tripé
macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio
flutuante) rígido no segundo Governo FHC e em parte do primeiro Governo Lula e,
por fim, esse mesmo tripé flexibilizado no segundo Governo Lula e no primeiro
Governo Dilma. Mais recentemente, a partir do segundo Governo Dilma retornou-se
à aplicação rígida desse tripé.
Esses
distintos regimes, cujas vigências dependem decisivamente da conjuntura
internacional e que refletem prioridades e vantagens diferentes no que se
refere às distintas frações do capital, sempre implicam em alguma acomodação do
bloco no poder. Portanto, são esses regimes de política macroeconômica que
diferenciam os dois Governos de FHC, de um lado, e os dois Governos de Lula e o
primeiro de Dilma de outro - apesar de todos eles se assemelharem, ao aceitarem
e promoverem o Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal-Periférico.
O
“boom” econômico internacional nos anos 2000, só interrompido pela crise
mundial deflagrada em 2008, permitiu, em razão da redução da vulnerabilidade
externa conjuntural do país, a flexibilização (relaxamento) do tripé
macroeconômico. Essa flexibilização, associada a outras políticas adotadas
principalmente a partir do final do primeiro Governo lula - Bolsa Família,
aumento real do salário mínimo e um programa de habitação popular -, teve como
consequência a elevação das taxas de crescimento do país e a redução das taxas
de desemprego, assim como a diminuição da pobreza absoluta e uma pequena
redução da concentração de renda no interior dos rendimentos do trabalho.
A
melhora desses e de outros indicadores veio acompanhada de uma inflexão do
bloco no poder, na qual o capital financeiro sofreu um deslocamento em sua
hegemonia absoluta, tendo que admitir o crescimento da influência de outras
frações do capital na condução do Estado: o agronegócio, o capital produtor e
exportador de commodities, as grandes empreiteiras e os grandes grupos do
comércio varejista; em suma a chamada burguesia interna, que passou a ser
objeto prioritário das políticas do Estado, em especial através do BNDES, do
Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás. E tudo isso,
apoiado em um maior protagonismo do Estado, pode ser feito sem atingir os
interesses fundamentais do capital financeiro.
Esse
momento conjuntural específico do Padrão de Desenvolvimento Liberal Periférico
- produto de uma conjuntura internacional favorável e caracterizado por um
regime de política macroeconômica que flexibilizou o chamado “tripé”, reacomodou
as distintas frações do capital no interior do bloco no poder e permitiu
incorporar, via mercado e de forma passiva, determinadas demandas populares -,
foi “vendido” politicamente pelo PT e o Governo Lula como sendo um novo padrão
desenvolvimento, denominado por eles de Neodesenvolvimentismo (desenvolvimento
com distribuição de renda e inclusão social) - que teria superado o Padrão
Liberal Periférico característico dos Governos Collor e FHC.
No
entanto, a crise mundial do capitalismo deflagrada em 2008, com a consequente
piora da conjuntura internacional, desmentiu categoricamente essa ilusão. Ela
incialmente dificultou e, depois, acabou por inviabilizar a continuação da
flexibilização do tripé macroeconômico e a compatibilização dos interesses divergentes
das distintas frações do capital e dos distintos setores populares. Com isso, a
fragilidade e reversibilidade dos pequenos benefícios conjunturais concedidos à
classe trabalhadora vieram à tona, com o retorno do tripé macroeconômico em sua
versão rígida e a ameaça de novas reformas neoliberais e aprofundamento das já
efetivadas. Não há como desconhecer: sem as reformas estruturais democráticas,
abandonadas pelo PT no seu processo de transformismo, não pode haver mudanças
essenciais na situação da classe trabalhadora.
Desse
modo, não se pode ter qualquer ilusão a respeito da capacidade do Padrão de
Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico de resolver os problemas e
atender as necessidades da classe trabalhadora; nem tampouco ter dúvidas da natureza
apassivadora dos Governos Lula e Dilma - que despolitizam a classe trabalhadora
e incorporam, via mercado, sem qualquer mudança estrutural e muito
parcialmente, algumas de suas demandas.
3- A conjuntura
imediata
A
permanência da crise econômica mundial e a deterioração da situação
macroeconômica do país reacendeu a disputa entre as distintas frações do
capital, principalmente a partir da segunda metade do primeiro Governo Dilma.
Esse é o sentido mais profundo da atual conjuntura, na qual o regime de política
macroeconômica preferido pelo capital financeiro voltou a ser adotado tal como
no início do primeiro Governo lula.
No
entanto, essa disputa está mediada e filtrada pelo sistema político-partidário,
a grande mídia e as Instituições e as distintas esferas de poder do Estado – o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário -, evidenciando que os distintos
interesses em jogo vão muito além da estrita disputa travada entre as distintas
frações do capital. Além disso, esses interesses não são facilmente e imediatamente
discerníveis no plano partidário e da ação política imediata, de tal forma que
a sua representação no plano político se apresenta de forma transversa,
fragmentada, confusa e, muitas vezes, assumindo uma forma obscura.
Misturando-se a eles, complementando-os ou opondo-se, existem aspirações e
interesses de outros sujeitos, que atuam ativamente, como, por exemplo, setores
da chamada “classe média”, as diversas Igrejas – em especial as Evangélicas -,
as Centrais Sindicais e Patronais e os diversos movimentos sociais.
Nesse
quadro, os efeitos recessivos do regime de política macroeconômica do “tripé
rígido” adotado pelo Governo Dilma - eleita de forma apertada e defendendo um
caminho oposto ao do ajuste fiscal -, associado à campanha anticorrupção deflagrada
e promovida de forma articulada pelo Judiciário e a grande mídia, turbinaram a
oposição de direita, partidária e não partidária - cuja expressão maior, no
âmbito institucional, é a composição extremamente conservadora do atual
Congresso Nacional. Tudo isso levou ao emparedamento do Governo Dilma, ao seu
isolamento e a sua fragilização, dando origem a uma crise política que, ao
mesmo tempo, impulsiona e é impulsionada pela crise econômica. Com isso, o
Governo Dilma tem sido empurrado cada vez mais para a direita; mas,
curiosamente, quanto mais Dilma é empurrada para a direita, assumindo e
realizando a agenda neoliberal de Aécio, mais agressiva se torna a atuação das
forças neoliberais e conservadoras, fragilizando ainda mais o Governo - que
passou a perder apoio até entre os seus eleitores tradicionais.
Para
piorar ainda mais o quadro, desde 2013 tem-se ampliado a difusão e influência
de valores reacionários na sociedade civil, com a ascensão política de uma
direita ideológica não partidária, organizada, atuante e mobilizadora - em que
se misturam e se fundem valores neoliberais e conservadorismo/reacionarismo
moral e de costumes. Esse é um fato novo: a direita convocando e dirigindo
manifestações de massa nas ruas, disputando com a esquerda, de forma explícita,
a hegemonia no interior da sociedade civil. Para confundir ainda mais as coisas
e embaralhar os distintos campos políticos, ambas as oposições de direita - a
partidária e a não partidária - passaram a criticar e a dificultar o ajuste
fiscal proposto pelo governo.
No
âmbito parlamentar, a ofensiva da direita e do conservadorismo vem se
expressando em várias iniciativas, tais como: a redução da maioridade penal, o
projeto de generalização da terceirização, a lei antiterrorismo, entre outros.
Nesse
processo, a partir de certo momento, passou-se a propor o impeachment da
Presidente Dilma nas mobilizações de rua organizadas pela direita não
partidária e que aos poucos, de forma vacilante, começou a ter adeptos também
no âmbito político partidário. A maior ou menor aproximação entre a direita
partidária e não partidária, em cada momento da crise, é o termômetro que
sinaliza a possibilidade efetiva ou não de se levar às últimas consequências o
pedido de impeachment - em alguns momentos parecendo que o Governo Dilma está
por um fio e, em outros, parecendo que a proposta está se esvaziando.
A
divergência no interior do PSDB, sobre apoiar ou não o impeachment pedido pelas
mobilizações de rua e de que forma fazê-lo, evidenciam de forma clara duas
coisas: 1- As ambições políticas e vaidades dos vários caciques desse Partido
dificultam a unidade de ação da direita partidária, bem como a sua aproximação
das ruas. 2- O protesto contra a corrupção e o pedido de impeachment aparecem
como o que eles realmente são, isto é, instrumentos na disputa política das
diversas forças sociais para se chegar ao poder e defender e implementar os
seus respectivos interesses.
Mais
recentemente, observam-se algumas circunstâncias e iniciativas que parecem ser
mais favoráveis ao governo, ajudando-o a começar sair de seu total isolamento.
Do ponto de vista das iniciativas políticas, destaca-se, primeiramente, um
movimento de aproximação do Governo com os Senadores, que procura isolar o
Presidente da Câmara para dificultar suas ações contra o ajuste fiscal do
governo e a sua tentativa de facilitar o encaminhamento do impeachment. Essa
aproximação tem por instrumento a chamada Agenda Brasil - uma espécie de
programa genérico, neoliberal/corporativista e de interesses escusos -, proposta
pelo Presidente do Senado e apresentado como, supostamente, um conjunto de
medidas para a retomada do crescimento.
A
existência de possível acordo mais amplo em torno dessa iniciativa, que envolva
o Governo, o Senado, parte da Câmara, a grande mídia e frações do grande
capital não está ainda clara; mas não seria nenhuma surpresa ou novidade na
história do país: a conciliação do “andar de cima”, sem rupturas, é sempre a
fórmula utilizada pelos setores dominantes nos momentos de crise aguda; o
capital tem horror da instabilidade econômica e política. O certo mesmo é que a
proposta do Presidente do Senado foi precedida por encontros dos donos das
Organizações Marinho com Ministros e lideranças político-partidárias e pela
manifestação, através de uma nota, das Federações da Indústria de SP e RJ na
qual pedem moderação e responsabilidade para a solução da crise. Além disso, a Agenda Brasil já se constituiu
em objeto de uma reunião do Ministro da Fazenda com os principais banqueiros do
país e, nos últimos dias, pode-se notar certo arrefecimento das críticas ao
governo por parte da grande mídia e mesmo o seu menor empenho no estímulo e
convocação das manifestações de domingo último (dia 16).
A
outra iniciativa importante foi a Marcha das Margaridas em Brasília e a reunião
de centrais sindicais e movimentos sociais com a Presidente da República e
Lula, nas quais foi explicitada a disposição de defesa do mandato da Presidente
- sinalizando a capacidade do governo em incentivar, se necessário, a
mobilização de trabalhadores e segmentos populares contra o impeachment - em
que pese críticas que foram feitas, na mencionada reunião, ao caminho que vem
sendo trilhado pelo segundo Governo Dilma.
Não
há dúvida, pelo o exposto até aqui, que a esquerda socialista não pode dar
nenhum apoio e crédito ao Governo Dilma e às suas políticas, que claramente
penalizam os trabalhadores e expressam, sem possibilidade de disfarce, os
interesses de certas frações do capital e, em especial, os interesses do
capital financeiro. Ao mesmo tempo, a esquerda socialista não pode ficar alheia
e/ou neutra com relação à possibilidade do impeachment, claramente patrocinado
pelas forças mais reacionárias da sociedade brasileira.
4- A possibilidade do
impeachment
O
impeachment é um instituto legal e democrático, previsto na Constituição do país;
mas é um instrumento de natureza essencialmente política. Portanto, se
constitui em uma arma na atual disputa política que ora assistimos e
participamos e que já vem provocando efeitos, independentemente de vir a ser
efetivado ou não no futuro. Em especial tem ajudado a empurrar o Governo Dilma
cada vez mais para a direita, tornando-o refém das forças mais reacionárias
representadas no Congresso Nacional.
Diferentemente
do impeachment de Collor, na atual conjuntura a sua proposição é uma arma que
vendo sendo utilizada, claramente, pela direita não partidária e alguns setores
da direita partidária; além de estimulada e também utilizada pela grande mídia.
Faz parte da tentativa de controle do Estado pelas forças político-sociais mais
regressivas e reacionárias da sociedade brasileira. A sua simples ameaça, sem
qualquer tipo de confrontação, fortalece essas forças político-sociais e sua
eventual efetivação se desdobrará num cenário político ainda mais adverso do
que o atual para os trabalhadores e a esquerda socialista.
Portanto,
o impeachment não é um problema apenas do Governo Dilma e do PT; ele atinge
toda a esquerda socialista agora e no futuro. Os Governos Lula e Dilma, assim
como o PT, são vistos, queiramos ou não, como socialistas, antiliberais e
corruptos. As manifestações de rua, puxadas por organizações de direita
explicitam isso de forma clara; agora, nas de domingo (dia 16), deixaram de
fora qualquer crítica moral ou política ao Presidente da Câmara, acusado de
propina no contexto da Operação Lava-Jato, porque o mesmo é um aliado que
poderá facilitar o caminho do pedido de impeachment. Por tudo isso, a esquerda
socialista tem que se posicionar, claramente, contra ele, classificá-lo como
“golpe” institucional e atuar concretamente para impedi-lo; não pode ter receio
de ser confundida com os apoiadores do governo, deixando claro, de todas as
formas, que não concorda com esse governo e que se constitui numa oposição de
esquerda que tem propostas completamente distintas.
E
mais, quanto mais rapidamente a possibilidade de impeachment for descartada,
mais claro e nítido ficará o cenário político, abrindo-se um maior espaço para
a crítica e as propostas da esquerda socialista. A questão central da
conjuntura é o confronto que opõe os que são a favor e os que são contra uma
ruptura institucional nesse momento; a esquerda socialista não tem capacidade e
influência na sociedade civil para substituí-la por qualquer outra. Não pode
ficar apenas constatando que, em certos momentos, cresce a possibilidade
efetiva do impeachment e, em outros, como agora - após as iniciativas citadas
anteriormente e o menor tamanho das manifestações do dia 16 e sua menor
repercussão na mídia -, reduz-se a possibilidade de sua ocorrência.
E
o problema não se resolve com a adoção da palavra de ordem “nem Dilma nem
Aécio”; que é justa de forma geral, tendo em vista o caminho e a estratégia
independentes que a esquerda socialista deve percorrer na luta pela hegemonia e
a conquista do poder, mas que, na atual conjuntura, como palavra de ordem para
intervenção política na conjuntura, é apenas um slogan impotente – que vocaliza
e deixa claro que, para a esquerda socialista, tanto faz que o impeachment
ocorra ou não, como se nós tivéssemos capacidade de oferecer, nesse momento,
uma terceira alternativa. Isso é um equívoco enorme; a nossa fragilidade
política não será contornada por arroubos retóricos nem pelo medo de “nos
misturarmos e sujarmos as mãos”; o emparedamento do atual governo pelas forças
de direita e extrema direita as fortalecerá e criará um ambiente político de
enorme dificuldade para os trabalhadores e a esquerda socialista.
A
esquerda socialista, dentro das limitações de suas forças, tem que atuar como
sujeito do processo, não pode esperar, como um expectador, o que vai acontecer
no futuro. O futuro é marcado pelo passado, mas principalmente construído pelas
ações que são feitas no presente; por isso, o futuro está sempre aberto, no
sentido de ser possível mais de uma trajetória. O embate dos comportamentos e
das ações a favor, contra ou neutros com relação ao impeachment ajudará a
construir determinada trajetória que se imporá no futuro, definindo um cenário
mais ou menos favorável aos trabalhadores e à esquerda socialista.
Desse
modo, participar das manifestações do dia 20 é se posicionar e agir, ao mesmo
tempo, contra as políticas do Governo Dilma e contra o impeachment, tal como
está explicitado na convocatória oficial da manifestação assinada por inúmeros
movimentos sociais e apoiada pelo PSOL e o PCdoB: em
defesa dos direitos sociais, da liberdade e da democracia, contra a ofensiva da
direita e por saídas populares para a crise. Contra o ajuste fiscal! Que os
ricos paguem pela crise! Fora Cunha: Não às pautas conservadoras e ao ataque a
direitos! A saída é pela Esquerda, com o povo na rua, por Reformas Populares!
Em
razão do conteúdo dessa convocatória - pelos direitos dos trabalhadores e a
democracia e contra o ajuste fiscal e às demais ações do Governo Dilma - o PT
se recusou a colocar o seu nome nela - embora esteja ajudando na organização
das manifestações. É notória a tensão política existente entre esses movimentos
sociais, de um lado, e o PT e o Governo Dilma de outro; um motivo a mais para
participarmos dessas manifestações e abrirmos um diálogo sincero com esses
movimentos - ainda bastante influenciados pelo PT, mas que já dão sinais de
certo descolamento, assim como manifestam claras discordâncias com o Governo
Dilma.
Por
fim, devemos reconhecer uma obviedade: a unidade da esquerda socialista é
condição necessária e imprescindível para a superação de sua debilidade
política, o fortalecimento da luta da classe trabalhadora e a viabilização de
uma alternativa crível, própria desse campo político; a sua atual fragmentação
é a razão de sua impotência em intervir e influenciar de forma relevante na
conjuntura e, ao mesmo tempo, expressa uma cultura política autoritária e
intolerante - que enxerga eventuais divergências conjunturais no seu interior
como sendo divergências estruturais e estratégicas insanáveis. Esse
comportamento se sustenta na dificuldade que temos em fazer as necessárias
mediações políticas entre a busca do socialismo e as distintas conjunturas
históricas - que expressa uma espécie de preguiça e acomodamento intelectual,
em favor de fórmulas prontas.
TEXTO 02
ESQUERDA SOCIALISTA E O
IMPEACHMENT
Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB... Por uma greve
geral: esses dizeres (palavras de ordem) foram exibidos em algumas faixas na
importante manifestação organizada pela esquerda socialista em São Paulo no dia
18 de setembro, intitulada “Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras”.
O início da mensagem não dá margem a dúvidas: defende o impeachment (Basta de
DILMA), coincidindo com o objetivo maior das grandes manifestações da direita
econômica, política e moralista ocorridas nos últimos meses no país. No
entanto, o problema dessa mensagem não é essa coincidência; e sim o erro
político de uma força do campo da esquerda socialista fazer a defesa do
impeachment na atual conjuntura.
Enquanto uma palavra de ordem geral estratégica,
de crítica e oposição à Dilma e aos Partidos citados, aponta corretamente para
identificação das forças da ordem responsáveis pela atual crise e a dramática
situação vivida pelos trabalhadores nesse momento. Portanto, indica que não há
qualquer possibilidade da esquerda socialista apoiar o Governo Dilma e suas
políticas; claramente de conteúdo antipopular e alinhadas cada vez mais com o
ideário neoliberal. Coisa muito distinta é defender e apoiar a interrupção do
mandato presidencial no presente momento (conjuntura); na mais pura tradição de
um “Golpe Branco”.
Poderíamos partir de diversos autores, clássicos
da teoria política, para analisarmos a situação e fazermos a crítica dessa
defesa equivocada do impeachment por segmentos da esquerda socialista -
expressa nos dizeres acima explicitados. No entanto, vamos partir apenas de um
deles, aquele que é considerado o fundador do pensamento político moderno,
muito citado e pouco compreendido, qual seja: Nicolau Maquiavel.
Toda a obra desse autor, impressionantemente
atual apesar de ter sido produzida nas três primeiras décadas do século XVI,
está apoiada em um par de conceitos (virtú e fortuna) indissociáveis. A
natureza da relação estabelecida entre eles (vontade X determinismo) funda a
sua análise sobre a dinâmica da vida e da luta políticas; dando origem ao mesmo
tempo à regra fundamental que, para Maquiavel, deve guiar e orientar a ação
política do “príncipe” nas diversas conjunturas: uma espécie de princípio geral
(invariável) para o comportamento dos sujeitos políticos - a seguir
explicitado.
A ideia básica do conceito de “fortuna” (sorte)
se relaciona às circunstâncias fundamentalmente imprevisíveis e incontroláveis
com as quais os sujeitos políticos se defrontam em sua ação política em cada
momento - que colocam problemas e situações novos que devem ser enfrentados e
cujas soluções estão limitadas por essas mesmas circunstâncias. Contudo, no
pensamento de Maquiavel, diferentemente da tradição cristã, fortuna não se
confunde com destino (fatalismo inexorável); ela pode ser enfrentada,
influenciada e parcialmente direcionada pela ação dos sujeitos. Mas, para isso,
estes devem adaptar os seus comportamentos e as suas ações a ela - o que remete
ao significado e à importância do conceito de virtú.
Em Maquiavel, contrariamente ao pensamento de
seus contemporâneos, virtú não se identifica com as conhecidas virtudes
cristãs que caracterizam um “homem bom”; embora o seu significado apresente
nuances ao longo de sua obra, esse conceito se refere, fundamentalmente, à
capacidade que o sujeito político tem de adaptar o seu comportamento e as suas
ações às circunstâncias, às necessidades das diversas conjunturas, de acordo
com os distintos problemas colocados objetivamente. Desse modo, o sujeito
político deve ser guiado pela necessidade e ter a capacidade de “mudar a sua
natureza”, adaptando-a aos tempos (às circunstâncias mutáveis); e não o
contrário. Portanto, todas as suas ações políticas devem estar coerentes com
esse princípio geral (independentemente delas estarem ou não compatíveis com as
virtudes cristãs) - sob pena de ser derrotado, inexoravelmente, pela fortuna.
Em outro contexto e com outra perspectiva, mais
de três séculos depois, Marx, ao tratar o Golpe de Estado perpetrado por
Napoleão III na França, tratou da mesma preocupação de Maquiavel de outra
maneira, resumindo-a com a seguinte formulação: “os homens fazem a história;
mas não escolhem as circunstâncias sob as quais a fazem”; frase que sintetiza a
necessidade dos sujeitos políticos considerarem, em cada conjuntura, as
condições objetivas e subjetivas a partir das quais atuam e que limitam e
relativizam as suas vontades - ao balizar as suas ações e restringir o leque de
alternativas possíveis.
Em suma, o problema da atuação política, em cada
conjuntura, é sempre o desafio de entender as circunstâncias realmente
existentes - essencialmente a identificação dos distintos interesses e
objetivos das classes e frações de classe em disputa, a ação das forças
políticas concretamente presentes e a correlação de forças existente entre os
sujeitos políticos coletivos -; o que exige do sujeito político a capacidade de
transitar da sua concepção e análise estratégica de longo prazo (apoiada em
elementos estruturais) para o plano da ação imediata, de curto prazo, que exige
uma análise em um nível de abstração muito menor. Nesse plano, a síntese das
ações dos distintos sujeitos definirá, a posteriori, o resultado político daí
derivado, inclusive com eventuais implicações estruturais, de longo prazo.
Dito isso, e entrando na conjuntura brasileira
atual, não é de desconhecimento de ninguém, com algum grau de informação, de
que há uma onda de conservadorismo varrendo o país, com o apelo a políticas
regressivas, que amálgama as visões da direita econômica, da direita e extrema
direita política e da direita religiosa e moral. Essas visões, que estão
imbricadas e articuladas nas diversas manifestações que vêm ocorrendo no país e
que têm forte expressão institucional (no Parlamento e no Judiciário), estão
sintetizadas no “Fora Dilma”, ou seja, na reivindicação do impeachment da
Presidente - em que pese a total capitulação desta em relação ao ideário
neoliberal e às suas políticas e dogmas econômicos.
Não precisamos reconstituir aqui todos os passos
e movimentos dos últimos meses, deste o início do segundo Governo Dilma, para
constatarmos que o comportamento da Presidente lembra em muito a biruta de um
aeroporto; comportamento este em grande medida determinado pelo seu isolamento
político na sociedade, no Congresso, no âmbito de sua base de apoio e até mesmo
no interior de seu Partido político. E que, ao mesmo tempo, contribui para o
crescimento de seu isolamento, agora também em segmentos e movimentos sociais
que a elegeram. O seu último movimento, após apresentar a proposta de um
segundo ajuste fiscal regressivo para os trabalhadores, acena para a entrega de
cinco Ministérios a distintas facções que compõem o insaciável PMDB –
configurando-se, talvez, na última cartada para evitar o “desembarque” desse
Partido do governo - como espera o PSDB e o DEM - e, por consequência, tentar
abortar o processo de impeachment.
A impressão nítida que fica é de que há uma força
incontrolável, que foge à lógica e à ótica mais geral do capital como critério
de julgamento das ações (boas ou más) do governo e que empurra todos os atores
que compõem o campo da direita e do conservadorismo para a defesa e
implementação de ações que levam ao impeachment. Nessa perspectiva, que foi se
configurando aos poucos e empurrando o Governo Dilma cada vez mais para direita
- mas sem resultados favoráveis para a sua governabilidade -, não interessa a
natureza das políticas e medidas econômicas tomadas por esse governo. Ao campo
político da direita, não mais interessa se essas medidas são condizentes com os
interesses do capital ou não, se têm natureza neoliberal e de direita ou não; o
objetivo das forças mais reacionárias da sociedade brasileira resume-se nesse
momento a derrubar o Governo eleito e, se possível, “pegar” Lula -
desqualificando, por tabela, toda e qualquer liderança de origem popular e, ao
mesmo tempo, atingindo a esquerda em geral, tendo em vista a identificação de
ambos pelo senso comum.
Em suma, o impeachment na atual conjuntura é a
palavra de ordem da direita e que conduz e orienta as suas ações; o seu
movimento, e fortalecimento, vem se dando nessa esteira. Para ela não basta
mais o transformismo do PT, de Dilma e de Lula no sentido de sua adesão à ordem
do capital e à implementação das políticas neoliberais. Ela não aceita mais
“terceirizar” parte importante de sua agenda; quer ela própria conduzir a sua
implementação, da forma mais pura e regressiva possível, sem nenhuma concessão
aos “de baixo e subalternos”. Por isso aposta que o impeachment se desdobrará
numa conjuntura ainda mais favorável para suas pretensões e execução de seu
programa; com a desmoralização de Dilma, Lula e do PT e, por extensão, com a
desmoralização também da esquerda socialista em geral. Como já mencionei em
outro texto, queiramos ou não, Lula e tudo que está associado ao PT estão
carimbados no senso comum como coisa de “socialista e comunista” - apesar de
sabermos que isso não é absolutamente verdade.
Desse modo, a palavra de ordem de “Basta Dilma”,
indicando a concordância com o seu impeachment, é um equívoco político grave,
com consequências desastrosas para o futuro imediato dos trabalhadores
brasileiros e da esquerda socialista. Na atual conjuntura, em virtude da
correlação de forças políticas existente, o “Basta Dilma” não é, objetivamente,
“Basta Aécio, PMDB, DEM etc.”. A derrubada de Dilma abrirá o caminho para a
busca de consenso, e governabilidade futura, das forças mais reacionárias da
sociedade brasileira; a esquerda socialista, infelizmente, não tem capacidade
de se apresentar, objetivamente, como alternativa imediata, e nem mesmo em
futuro próximo. Portanto, “Fora Dilma” significa, na atual conjuntura, “Entra
Aécio, FHC, Serra, Alkimim, Temer etc.”.
Mais uma vez, a questão não é nem a de se
identificar uma proximidade maior ou menor, que pode ser feita, entre Lula e o
PT, de um lado, e as forças mais afinadas com o capital financeiro e o
neoliberalismo de outro - proximidade esta já largamente conhecida. Insisto: o
impeachment, tudo leva a crer, abrirá uma conjuntura muito mais adversa para os
trabalhadores e a esquerda socialista do que a presente - que já é muito
difícil e adversa.
Em síntese, a esquerda socialista não pode temer
ser confundida e embaralhada com o Governo Dilma e o PT; pois ela não abrirá
mão da defesa dos interesses dos trabalhadores e do socialismo e se oporá
radicalmente a todas as políticas neoliberais e regressivas do Governo Dilma.
Contudo, para a esquerda socialista, ser contra o impeachment é uma necessidade
objetiva e incontornável da conjuntura; e isso é completamente diferente de
apoiar o Governo Dilma e suas políticas. Além disso, reafirmo a importância do
diálogo com a esquerda socialista ainda presente minoritariamente, e de forma
subordinada ao lulismo, no interior do PT, bem como com os movimentos sociais
tradicionalmente situados na órbita desse Partido; ambos em processo de
descolamento do Governo Dilma e do próprio PT. A esquerda socialista deve
estimular e fomentar esse descolamento, apelando para a necessidade dessa ruptura:
a união da esquerda socialista, com a superação da fragmentação que a torna
impotente, é mais do que nunca crucial para se enfrentar a conjuntura atual e
os seus desdobramentos futuros, que se anunciam cada vez mais difíceis.
TEXTO 03
A TÍTULO DE ESCLARECIMENTO AO PROFESSOR ZACARIAS
O
professor Zacarias, em seu texto intitulado “Elementos Conjunturais para uma
Proposição de Saída pela Esquerda”, que tem por objetivo responder ao meu
texto intitulado “A Esquerda Socialista e o Impeachment”, faz afirmações
sobre o seu conteúdo que considero improcedentes do ponto de vista factual,
enviesando-o para torná-lo mais facilmente criticável. Por isso, faço aqui
quatro observações, para não haver dúvidas quanto ao que eu escrevi no meu
texto; com a reprodução, em cada uma delas, de trechos do texto
concernente às questões tratadas pelo professor Zacarias:
1-
O meu texto não identifica a manifestação convocada pela esquerda
socialista como sendo semelhante às manifestações realizadas pela direita: elas
foram feitas, obviamente, com distintos objetivos e intenções. Se fizesse isso,
seria um erro crasso da minha parte. Claramente, apenas identifiquei, e
critiquei, a faixa “Fora Dilma...” (e só ela) como semelhante à palavra de
ordem fundamental da direita hoje, que é, sem dúvida, o impeachment. Portanto,
a crítica é a essa palavra de ordem e as suas consequências políticas; o meu
texto é sobre isso e não há qualquer crítica à manifestação. Confira abaixo:
“Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB... Por uma greve geral:
esses dizeres (palavras de ordem) foram exibidos em algumas faixas na
importante manifestação organizada pela esquerda socialista em São Paulo no dia
18 de setembro, intitulada ‘Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras’.
O início da mensagem não dá margem a dúvidas: defende o impeachment (Basta de
DILMA), coincidindo com o objetivo maior das grandes manifestações da direita
econômica, política e moralista ocorridas nos últimos meses no país. No
entanto, o problema dessa mensagem não é essa coincidência; e sim o erro
político de uma força do campo da esquerda socialista fazer a defesa do
impeachment na atual conjuntura.
Enquanto uma palavra de ordem geral estratégica, de
crítica e oposição à Dilma e aos Partidos citados, aponta corretamente para identificação
das forças da ordem responsáveis pela atual crise e a dramática situação vivida
pelos trabalhadores nesse momento. Portanto, indica que não há qualquer
possibilidade da esquerda socialista apoiar o Governo Dilma e suas políticas;
claramente de conteúdo antipopular e alinhadas cada vez mais com o ideário
neoliberal. Coisa muito distinta é defender e apoiar a interrupção do mandato
presidencial no presente momento (conjuntura); na mais pura tradição de um
‘Golpe Branco’.”.
2-
Não há no meu texto, e da minha parte, qualquer preocupação com o
que pode ser chamado de "volta da direita" ou que esteja em andamento
um Golpe Militar tipo de 1964: a direita já está aí, parte dela inclusive no
interior do próprio Governo Dilma. A minha preocupação, claramente evidenciada
no texto, é a de jogarmos de forma não intencional, desavisada e quase
inocente, a favor da mesma meta da direita nessa conjuntura, qual seja,
"fora Dilma" (o impeachment). Pois não tenho dúvida de que o
impeachment na atual conjuntura será uma vitória da direita, com a situação (a
futura conjuntura) ficando pior ainda do que já está atualmente para os
trabalhadores e a esquerda socialista. Esta, na atual conjuntura, não se
apresenta, infelizmente, como alternativa real. Confira abaixo:
“Desse modo, a palavra de ordem de ‘Basta Dilma’,
indicando a concordância com o seu impeachment, é um equívoco político grave,
com consequências desastrosas para o futuro imediato dos trabalhadores
brasileiros e da esquerda socialista. Na atual conjuntura, em virtude da
correlação de forças políticas existente, o ‘Basta Dilma’ não é, objetivamente,
‘Basta Aécio, PMDB, DEM etc.’. A derrubada de Dilma abrirá o caminho para a
busca de consenso, e governabilidade futura, das forças mais reacionárias da
sociedade brasileira; a esquerda socialista, infelizmente, não tem capacidade
de se apresentar, objetivamente, como alternativa imediata, e nem mesmo em
futuro próximo. Portanto, ‘Fora Dilma’ significa, na atual conjuntura, ‘Entra
Aécio, FHC, Serra, Alkimim, Temer etc.’.”
3-
Não há no meu texto qualquer menção de apoio ou aliança com as forças
governistas; não tenho nenhuma ilusão quanto a isso. No entanto, se opor
radicalmente ao Governo Dilma não significa abraçar o movimento pelo
impeachment. O que é claro no meu texto é a preocupação em ampliar as forças da
esquerda socialista com forças que estão se descolando do PT e do Governo
Dilma, trazendo-os para o campo da esquerda socialista e segundo os nossos
objetivos. Confira abaixo:
“Em síntese, a esquerda socialista não pode temer ser
confundida e embaralhada com o Governo Dilma e o PT; pois ela não abrirá mão da
defesa dos interesses dos trabalhadores e do socialismo e se oporá radicalmente
a todas as políticas neoliberais e regressivas do Governo Dilma. Contudo, para
a esquerda socialista, ser contra o impeachment é uma necessidade objetiva e
incontornável da conjuntura; e isso é completamente diferente de apoiar o
Governo Dilma e suas políticas.
Além disso, reafirmo a importância do diálogo com a
esquerda socialista ainda presente minoritariamente, e de forma subordinada ao
lulismo, no interior do PT, bem como com os movimentos sociais tradicionalmente
situados na órbita desse Partido; ambos em processo de descolamento do Governo
Dilma e do próprio PT. A esquerda socialista deve estimular e fomentar esse
descolamento, apelando para a necessidade dessa ruptura: a união da esquerda
socialista, com a superação da fragmentação que a torna impotente, é mais do
que nunca crucial para se enfrentar a conjuntura atual e os seus desdobramentos
futuros, que se anunciam cada vez mais difíceis.”.
4-
O meu texto em lugar algum afirma que a luta de classes e a relação
capital-trabalho estão ausentes da luta política e da atual conjuntura; na
verdade, ele as considera como pano de fundo e, em algumas passagens, isso fica
explícito. O que o texto afirma, claramente, é que, nessa conjuntura
imediatíssima, à oposição partidária de direita não interessa mais quais são as
políticas propostas pelo Governo Dilma, porque o seu objetivo e prioridade é
derrubá-lo. Porque essa é a trajetória que a direita identifica como o caminho
para o seu fortalecimento, com a derrota da esquerda em geral. Confira abaixo:
“A impressão nítida que fica é de que há uma força
incontrolável, que foge à lógica e à ótica mais geral do capital como critério
de julgamento das ações (boas ou más) do governo e que empurra todos os atores
que compõem o campo da direita e do conservadorismo para a defesa e
implementação de ações que levam ao impeachment. Nessa perspectiva, que foi se
configurando aos poucos e empurrando o Governo Dilma cada vez mais para direita
- mas sem resultados favoráveis para a sua governabilidade -, não interessa a
natureza das políticas e medidas econômicas tomadas por esse governo. Ao campo político
da direita, não mais interessa se essas medidas são condizentes com os
interesses do capital ou não, se têm natureza neoliberal e de direita ou não; o
objetivo das forças mais reacionárias da sociedade brasileira resume-se nesse
momento a derrubar o Governo eleito e, se possível, “pegar” Lula -
desqualificando, por tabela, toda e qualquer liderança de origem popular e, ao
mesmo tempo, atingindo a esquerda em geral, tendo em vista a identificação de
ambos pelo senso comum.
Em suma, o impeachment na atual conjuntura é a palavra
de ordem da direita e que conduz e orienta as suas ações; o seu movimento, e
fortalecimento, vem se dando nessa esteira. Para ela não basta mais o
transformismo do PT, de Dilma e de Lula no sentido de sua adesão à ordem do capital
e à implementação das políticas neoliberais. Ela não aceita mais “terceirizar”
parte importante de sua agenda; quer ela própria conduzir a sua implementação,
da forma mais pura e regressiva possível, sem nenhuma concessão aos “de baixo e
subalternos”. Por isso aposta que o impeachment se desdobrará numa conjuntura
ainda mais favorável para suas pretensões e execução de seu programa; com a
desmoralização de Dilma, Lula e do PT e, por extensão, com a desmoralização
também da esquerda socialista em geral. Como já mencionei em outro texto,
queiramos ou não, Lula e tudo que está associado ao PT estão carimbados no
senso comum como coisa de “socialista e comunista” - apesar de sabermos que
isso não é absolutamente verdade.
Mais uma vez, a questão não é nem a de se identificar
uma proximidade maior ou menor, que pode ser feita, entre Lula e o PT, de um
lado, e as forças mais afinadas com o capital financeiro e o neoliberalismo de
outro - proximidade esta já largamente conhecida. Insisto: o impeachment, tudo leva a
crer, abrirá uma conjuntura muito mais adversa para os trabalhadores e a
esquerda socialista do que a presente - que já é muito difícil e adversa.”.
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