ELEMENTOS CONJUNTURAIS
PARA UMA PROPOSIÇÃO DE SAÍDA PELA ESQUERDA (16/08/2015)
|Por Carlos Zacarias, professor do
Departamento de História da UFBA
As
manifestações que nos últimos meses tomaram as ruas do Brasil assustaram muita
gente. Houve quem, na melhor das hipóteses, desconfiasse das boas intenções de
brasileiros e brasileiras que, fantasiados com a camisa da CBF/Nike, foram às
ruas para esconjurar a corrupção, gritar contra o governo Dilma e, em larga
medida, e mais acentuadamente nas manifestações do dia 16/08, pedir o
impeachment da presidente. Mas houve também quem visse nos atos de exaltados
“patriotas”, enrolados na bandeira do Brasil e entoando o hino nacional, uma
manifestação clara de que um novo golpe se anunciava, com características
fascistas, remissivas ao golpe ocorrido em 1964.
Efetivamente
o quadro não parece ser animador para uma parte dos movimentos sociais que por
décadas lutaram por um projeto democrático-popular e após 13 anos assistem o
que chamam de “onda conservadora” surgir aparentemente do nada. Tal ofensiva,
se é que assim se pode chamar a tal “onda conservadora”, esteve nos últimos
meses consubstanciada nas mega-manifestações registradas em março (15), abril
(12), e no último domingo, 16/08. Considerando que não parece ser do ordinário
do nosso país assistir senhoras com o terço na mão rezando o Pai Nosso em plena
Paulista, pessoas com camisas vermelhas sendo hostilizadas, torturadores
homenageados e pedidos de intervenção das Forças Armadas por entre cartazes com
alusão a Cuba, ao bolivarianismo e ao Foro de São Paulo, há que se admitir que
algo de muito diferente se assomou na conjuntura do país neste ano.
De
fato, por mais de 50 anos as direitas tradicionais brasileiras deixaram as
ruas. Desde as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, ocorridas entre
março e abril de 1964, que não se viam multidões tão hostis às bandeiras
vermelhas, ao socialismo e a tudo o que lembre, ainda que vagamente, alguma
postura de esquerda. Estaríamos, então, prestes a assistirmos um novo golpe de
estado contra a nossa democracia e contra um governo com características
populares, como outrora ocorreu com Jango? Não parece ser o caso! Mas como
explicar, então, a ofensiva conservadora e toda onda de ódio dispendido contra
os movimentos sociais dos últimos meses? O que dizer dos imensos atos que
moveram milhares (ou milhões, conforme os cálculos) que foram para as ruas com
uma única bandeira de luta contra a corrupção e a favor do impeachment? É o que
tentaremos responder a seguir.
O governo do PT é um
governo burguês atípico
Os
trabalhadores que durante os governos petistas fizeram greves nos municípios, nos
estados e na federação sabem que o tratamento dispensado pelos dirigentes dos
Executivos não varia muito de partido para partido. Em que pese que muitos dos
prefeitos ou governadores sejam egressos dos movimentos sociais, em raríssimas
situações os governantes receberam os trabalhadores quando estes encamparam
greves. Na maior parte do tempo, o tratamento oferecido, além do silêncio e do
desdém diante dos ativistas, foi semelhante ao dos governantes dos partidos
burgueses tradicionais, como o PSDB e o DEM/PFL. Na Bahia, por exemplo, os
trabalhadores da educação em diversas ocasiões se enfrentaram com o governo do
ex-dirigente do Sindiquímica Jaques Wagner. Em 2007, professores da educação
básica e superior fizeram greves, e o governo enfrentou ambas as paralisações
com o corte de salários, arrogância e sistemática propaganda enganosa como
faziam os governantes do carlismo. Em 2012, quando professores da educação
básica ficaram paralisados por mais de 100 dias, o governador, que contava com
uma direção sindical da APLB que lhe era apoiadora, não apenas cortou o salário
dos grevistas, como enfrentou a greve com profundo desdém, veiculando mentiras
na TV e suspendendo até mesmo o Credcesta, dificultando que os docentes
abastecessem suas casas com alimentos. Com Rui Costa não foi diferente, haja
vista que os docentes das UEBA precisaram ocupar a SEC depois de mais de 70
dias em greve apenas para ter a atenção merecida da parte de um governo que
reduzia a verba da educação, enquanto elogiava policiais que promoviam a
chacina da juventude negra na Vila Moisés, isso depois de ameaçar de despejo os
docentes pela política que atuou com a mesma truculência da PM de muitos
estados.
No
final das contas, pode restar a sensação de que o governo do PT é um governo burguês
igual a qualquer outro, mas essa é uma forma de tomar a questão apenas pela
superfície. O PT governa verdadeiramente para as mesmas classes dominantes que
o PSDB e o DEM, mas as frações da burguesia que se enfrentam numa ríspida
disputa pela direção dos governos, ora podem ser mais beneficiadas num período
do que em outros. Durante os dois mandatos do presidente Lula, houve um reforço
do espaço destinado à burguesia compradora no Brasil. Muito especialmente a
partir do segundo governo de Lula e do primeiro de Dilma, quando o país se viu
diante da necessidade de enfrentar uma crise econômica mundial de dimensões
avassaladoras, o ministério da Fazenda, sob a batuta de Guido Mantega e a
orientação dos chefes do Executivo, optou por aplicar medias anticíclicas, que
combinaram expansão do crédito, diminuição dos juros e renúncia fiscal de
produtos da linha branca e de veículos automotivos. As medidas, de um lado,
permitiram a continuidade do incremento do mercado interno junto com a expansão
da massa salarial, sem prejuízo para os setores do rentismo, sempre
beneficiados por uma política de altos superávits primários e rigoroso
cumprimento dos contratos.
No
fim do primeiro mandato de Dilma, entretanto, como a crise econômica mundial
não chegou ao fim, e diante dos inevitáveis riscos que uma política de expansão
do crédito significava, com a possibilidade de a inadimplência fugir ao
controle diante do endividamento crescente das famílias brasileiras, o governo
se viu obrigado a adequar sua rota. Neste caso, após eleições profundamente
polarizadas, com rios de dinheiro sendo despejados nas candidaturas de Aécio
Neves e Dilma Rousseff, que receberam algo em torno R$ 300 milhões, cada um, o
segundo governo de Dilma precisou promover uma profunda inflexão, nem tanto na
sua política econômica (também modificada), mas principalmente no seu discurso
eleitoral que diante do reacionarismo do PSDB precisou flertar novamente com a
esquerda.
Utilizando-se
largamente de sua história pessoal, coisa que não havia feito na primeira
eleição, quando se negou a discutir o aborto e se aproximou perigosamente dos
segmentos fundamentalistas da coalizão, Dilma Rousseff se escorou nas peças
publicitárias do “Dilma, coração valente” e do “Dilma, muda mais”, para
reeditar o discurso do medo diante da possibilidade de retorno aos tempos do
governo de FHC, que muitos brasileiros pretendiam esquecer. O efeito de tais
políticas permitiu ao Partido dos Trabalhadores colher uma quantidade imensa de
voto útil, até mesmo no primeiro turno.
Não
obstante, por não se tratar de um governo burguês típico, mas de um governo de
Frente Popular, os mandatos de Lula da Silva e Dilma Rousseff necessitaram
repactuar permanentemente a coalizão com os movimentos sociais e as frações
burguesas com presença na aliança de classes. Por conta disso, de alguma forma,
ocorreu uma espécie de empoderamento dos setores subalternos, que apesar de não
terem sido patrocinados pelos governos do PT, se viram favorecidos pela
ascensão de um projeto popular, ainda que distorcido e sofrendo um vertiginoso
transformismo. Com efeito, diante do
secular déficit de democracia da sociedade brasileira, enquanto houve uma
promoção das expectativas das mulheres e dos negros através das políticas
compensatórias, de reparação e de modesta distribuição de renda; enquanto os
setores tradicionalmente oprimidos em função do conservadorismo dos costumes
das nossas classes dominantes, como os LGBT, conseguiram alguma expressão;
enquanto os segmentos explorados e oprimidos se empoderaram muito mais na
medida das expectativas, do que das reais e efetivas necessidades secularmente
negadas, considerando-se que este processo não avançou até as últimas
consequências, ele se vê na iminência de retrocessos significativos em função
da ofensiva das classes dominantes que se sentiram ameaçadas no seu poder.
Ainda
sobre o assunto, como de alguma forma este empoderamento se efetivou muito mais
no plano das expectativas e em níveis mínimos de consumo, ressaltem-se a
permanência do déficit histórico de democracia, igualitarismo e atenção
públicas para com mulheres, negros, e LGBTs que continuam morrendo aos milhares
vítimas da desatenção, das chacinas e de todas as formas de extermínio. Isso
considerando todas as promessas e esperanças diante de um projeto popular,
agora gerido por uma mulher, que não garantiu o direito ao aborto, não
tipificou a homofobia, nem promoveu uma séria discussão sobre a necessidade de
descriminalização da maconha, elemento que levam milhares de jovens negros a
serem assassinados todos os anos nas periferias das grandes e médias cidades
brasileiras em função do tráfico de drogas.
Hegemonia fraca
O
que está em jogo no Brasil hoje é a tentativa das classes dominantes de
retomarem a direção política do país desde que esta foi perdida em 2002, após
um curto período de exercício pleno da hegemonia com os governos de FHC. Ou
seja, tendo em vista que as classes dominantes não puderam exercer seu domínio
pleno com uma direção política de um partido tipicamente burguês, permitiram a
ascensão de governos que, para aplicarem uma política burguesa, precisam
permanente repactuar sua direção. Não dispondo da total confiança das classes dominantes
tradicionais em função dos compromissos históricos que o impulsionaram a
direção do Executivo central do país, o PT é absolutamente necessário nesses
tempos de hegemonia fraca, mas na primeira oportunidade pode vir a ser
descartado do cenário político, como o foram os governos frente populistas.
É
verdade que durante as diversas gestões petistas as várias frações da burguesia
conviveram em relativa harmonia, aceitando as pequenas concessões dirigidas aos
extratos mais baixos da população, desde que continuassem ganhando dinheiro
como nunca na história do país, como gostava de dizer Lula. Enquanto isso, em
poucos períodos da nossa história os movimentos sociais foram tão generosos com
os governos e com os patrões como durante o período Lula. Sobre o assunto, de
acordo com o DIEESE, entre 1995 e 2002, anos do governo FHC, ocorreram 648
greves em média por ano no Brasil. Já entre 2003 e 2010, período compreendido
entre os dois governos de Lula, o número de greves foi reduzido para 369. Será
possível se deduzir que a menor quantidade de greves durante o governo do
ex-sindicalista diga respeito ao fato de que a massa salarial média foi
incrementada, com diversas categorias auferindo ganhos reais. Entretanto, caso
se considere que as greves são os fatores essenciais para a conquista de bons
acordos que significam recomposição salarial e acréscimo diante da inflação,
haveria uma contradição em termos, tendo em vista que foi no período de menor
quantidade de greves (durante os governos de Lula) que os trabalhadores tiveram
os maiores aumentos. Não obstante, caso adicionemos a variável “situação
econômica”, podemos observar que os salários melhoraram nos períodos de
recuperação econômica, e foram reduzidos nos períodos de crise, com rebatimento
nas greves que, em todo caso, passaram a ser estimuladas ou desestimuladas
pelas direções governistas muito mais na medida do interesse do partido no
governo do que dos trabalhadores.
Ainda
tomando a variável “situação econômica” cabe registrar que a crise de fins da
década de 1990 (Tigres Asiáticos, 1997; Rússia, 1998; México, 1998; e Brasil
1999), ajudou ao decréscimo das greves até seu patamar mais baixo em 2002,
quando foram registradas 298 greves, a menor quantidade desde 1983, quando se
registraram 250 paralisações. Sobre a crise econômica de fins da década de
1990, antes que as greves chagassem ao seu patamar mais baixo, um fluxo
contínuo de pressão permitiu aos trabalhadores organizados promoverem um último
grande ato em Brasília empunhando a bandeira do Fora FHC. Com efeito, em 1999,
quando a situação econômica do país parecia fugir do controle e quando algo
entre 80 e 100 mil trabalhadores marcharam na capital do país, o governo
brasileiro contraiu novo empréstimo de 80 bilhões de dólares com o FMI, como
forma de contornar a crise.
Todavia,
ao lado desses fatores mais objetivos, nossa hipótese é a de que a quantidade
de greves se reduz muito mais em função dos elementos subjetivos, pois uma
parte importante dessa hegemonia fraca das classes dominantes durante os governos
petistas implica na necessidade de repactuar a direção política com os
movimentos sociais que precisam ser controlados. Por conta disso, a redução do
registro de greves durante os governos Lula tem menos a ver com o incremento da
massa salarial dos trabalhadores brasileiros do que com o fato de que as
direções sindicais passaram a se acomodar na máquina política, sofrendo também
do transformismo da maioria dos dirigentes políticos das altas esferas. Em
vista disso, enquanto alguns dirigentes sindicais passaram a assumir cargos
públicos de diversas ordens, outros eram recrutados para gerir os fundos de
pensão e as inúmeras formas assumidas pelo capital privado durante as
transformações sofridas pelo capitalismo brasileiro novamente dirigido pelo estado,
especialmente a Reforma da Previdência de 2003 e os anos de oportunidades e
concessões à iniciativa privada, algo que se aprofundou durante o governo
Dilma.
No
final das contas, foi ainda durante os governos Lula, quando a classe
trabalhadora desenvolveu uma primeira e fundamental experiência com um governo
que praticava um “reformismo quase sem reformas” (Arcary, 2013), que as
principais rupturas foram se efetivando, algumas pela direita, como a que gerou
o PROIFES em 2004, outras pela esquerda, como aquela que permitiu a construção
da Conlutas, depois CSP-Conlutas, também a partir de 2004.
Não vivemos um novo
1964
As
manifestações registradas em março, abril e no último domingo podem lembrar as
famosas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” de abril de 1964, mas as
semelhanças com aqueles anos param por aí. Em 1964 não foi apenas um governo
fraco e sem base popular de massa que entrou em colapso, foi um padrão de
acumulação protagonizado pelo Estado e lastreado na industrialização de base e
que envolvia uma prática política conhecida como populismo que naufragou.
Naquela altura, não apenas as diversas frações das classes dominantes
conspiraram para a queda de Jango, mas também militares das Forças Armadas,
especialmente do Exército, e o governo norte-americano através do embaixador no
Brasil Lincoln Gordon.
Quanto
ao governo de Goulart, ressalte-se que, apesar de ser uma expressão do
nacionalismo burguês com penetração nos sindicatos através do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), este quase não contava com dispositivos de massa
que pudessem assumir a sua defesa. Ainda assim, em meio aos conflitos abertos
na esteira de um imenso ascenso popular expresso nos movimentos sociais da
cidade e do campo, como as Ligas Camponesas, o CGT, a UNE, com desdobramentos
nas vanguardas culturais do cinema, teatro, música e literatura, uma pressão
pela esquerda obrigou o governo a assumir o compromisso com algumas das
reformas estruturais exigidas pelo país há tempos. Nesse sentido, o Comício da
Central do Brasil de 13 de março de 1964 consubstancia aquela inflexão que
vinha ao encontro de uma parte das expectativas de diversos setores, muito
embora se mantivesse nos marcos do reformismo e o nacionalismo burguês.
O
Comício da Central do Brasil foi sintomático da crise revolucionária vivida
pelo país naqueles anos, aprofundada pelas revoltas dos militares (sargentos e
marinheiros) que desafiavam a ordem e punham em causa a hierarquia. Tal ascenso
popular, se nos remete, em alguma medida, para as formas de empoderamento
referidas acima no período recente, no caso do Brasil lulista não encontram
paralelo com a movimentação do governo atual, que não foi capaz de produzir um
único deslocamento à esquerda. Da mesma forma tampouco se permite qualquer
analogia com o descontentamento das classes dominantes e das frações burguesas
no presente, haja vista que diferentemente das de 1964, quando as frações da
burguesia associada ao capital internacional conspiravam abertamente contra a
democracia através do complexo IPES-IBAD, no Brasil de Lula e Dilma a
burguesia, especialmente o resntismo, impõe sua lógica, independentemente da
necessidade de repactuação de compromissos da parte do lulismo.
É
verdade que o forte descontentamento que desceu às ruas nos últimos tempos é
incentivado por setores burgueses. Quanto a isso, não podem haver dúvidas de
que os partidos burgueses tradicionais, especialmente o PSDB e o DEM, mas
também o PMDB, chantageiam permanentemente o governo para que este assuma ainda
mais intensamente uma agenda política conservadora. Entretanto, parece ser
preferível às classes dominantes evitar o colapso do país, já que as
possiblidades e de um golpe ou mesmo de um “golpe branco” através do
impeachment de Dilma Rousseff é por demais arriscada, pois implicaria em risco
de uma convulsão social de resultado incerto, pois se se considera que o PT
dispõe de uma base social bastante mais consolidada do que Jango, seria
improvável que qualquer medida intempestiva não desencadeasse um conflito de
grandes proporções.
Por que não devemos ir
ao ato do dia 20
Por
tudo o que foi dito, não podem restar dúvidas de que é um erro acreditar que a democracia
esteja correndo algum risco no Brasil neste momento. Isto não quer dizer que as
classes dominantes não possam reavaliar sua postura mais adiante, mas não
parece que o caminho preferencial seja a promoção do impeachment, reivindicado
largamente pelos que foram às ruas no dia 16, e muito menos o golpe,
reivindicado por setores mais exaltados, francamente fascistizantes.
Ainda
assim não está dado que o governo do PT, que praticou toda a espécie de
ilegalidade eleitoral, como muitos dos partidos que governam estados e
municípios e o próprio PSDB, que o antecedeu na presidência, não possa ser
emparedado em função das “pedaladas fiscais” ou do esquema de propina da
Petrobrás. Não obstante, a exasperação de setores médios com as denúncias de
corrupção que assolaram o país nos últimos meses, apesar de fazerem grande
pressão sobre os partidos tradicionais burgueses, não representam para a grande
burguesia que esta deve trabalhar para derrubar o governo do PT antes de 2018.
Isso porque as várias frações da burguesia seguem se acomodando diante das
últimas movimentações do governo. Este, após aprovar as MPs 664 e 665, que
retira direitos dos trabalhadores, agora se prepara para levar adiante a
chamada “Agenda Brasil”, um conjunto de medidas bem ao gosto dos setores do
agronegócios, do capital financeiro, e da burguesia compradora, todos com
grande presença no governo de Dilma.
Em
virtude deste movimento de acomodação que tirou o governo das cordas nas
últimas semanas, setores insuspeitas de serem governistas anunciaram posições
pela governabilidade, como as Organizações Globo, o grupo FSP, a FIRJAN, a
FIESP e a FIEB, o que pode servir para acalmar os ânimos no próximo período.
Não obstante, em vista desta nova repactuação, o governo Dilma terá que ceder
ainda mais, intensificando o ajuste fiscal e acentuando os cortes nos setores
essenciais, como saúde, educação, previdência e reforma agrária.
Por
seu turno, a postura das centrais governistas que se aproveitavam do medo para
imprimirem uma espécie de chantagem aos movimentos sociais, pode cair no vazio.
Até o momento, contudo, o que está apontado é que o ato convocado para o
próximo dia 20 está mantido e que não será governista (sic), mas um ato por
“Direitos, Liberdade e democracia”, ou como consta ainda na convocatória
“Mobilização em todo o país contra a direita e o ajuste fiscal”. Mas será mesmo
que o ato do dia 20 não terá um caráter governista? O fato de o PT não
convocar, mas apenas o PCdoB e o PSOL, junto com movimentos sociais importantes
como o MTST, demonstraria que o ato não será governista? Parece improvável!
Para
quem assistiu a reunião de Dilma Rousseff com as mulheres da “Marcha das Margaridas”
e depois com os movimentos sociais na última semana, não pode restar dúvida de
que o governo e as entidades governistas, como a CUT, CTB e UNE, além dos
movimentos sociais pró-governo, como o MST, se utilizarão dos atos para blindar
o governo e reforçar seu apoio perdido ao longo deste ano. Quanto a isto, quem
assistiu o vídeo da fala do dirigente do MTST, Guilherme Boulos, que dirigiu
cobranças a Dilma e depois foi trocar sorrisos, beijos e abraços com a
presidente, no dia seguinte a votação da Lei Antiterrorismo e um pouco antes de
Dilma seguir negociando ainda mais ataques aos trabalhadores, pode ficar com a
sensação de que alguma coisa não está funcionando bem neste discurso que
critica o governo, mas lhe dedica afagos.
Obviamente
que o impeachment não interessa aos trabalhadores, porque não se pode pôr a
direção política do país nas mãos de Michel Temer, Eduardo Cunha ou de um
Congresso ainda mais corrupto do que o Executivo. Todavia, como dissemos, esta
alternativa, muito embora não esteja definitivamente descartada, parece ainda
mais improvável diante dos últimos acontecimentos e acordos pela
governabilidade.
Por
fim, cabe ressaltar que a ruptura de um importante setor da classe trabalhadora
com o governo Dilma, algo que se anunciou nas Jornadas de Junho de 2013, que
alterou a correlação de forças para uma situação aberta e indefinida, deve ser
potencializada pelo melhor da vanguarda dos movimentos sociais que já haviam
rompido com o governo. Neste sentido, cerrar fileiras com o governismo no dia
20 significará dar um passo atrás nessa ruptura, porque ao invés de sepultar as
ilusões do engodo do “governo em disputa”, ou as ilusões da chantagem do medo
quanto ao risco de golpe ou de impeachment, voltaremos a acreditar que será
possível construir um campo pela esquerda com os remanescentes do lulismo,
incluindo o próprio Lula. O que é
preciso fazer é seguir em frente, construindo as greves no serviço público,
exigindo das direções governistas que rompam com o governo e assumam a
necessidade de construir a greve geral, contra os ataques do governo, contra o
ajuste fiscal, pela construção de uma alternativa verdadeiramente de esquerda,
protagonizada pelos trabalhadores.
Por
fim a iniciativa da construção da plenária Unidade de Ação, que reuniu no
último dia 03/08, em São Paulo, cerca de 65 entidades sindicais, populares,
estudantis, políticas e partidárias, entre as quais a CSP-Conlutas e o
ANDES-SN, apontam para a possibilidade de
uma alternativa concreta para organizar as lutas, chamando uma ampla
mobilização nacional para o 7 de setembro, com organização de plenárias nos
estados, contra o Programa de Proteção ao Emprego
(PPE) e contra as medidas de ajuste fiscal. E para os que dizem que lavamos as
mãos neste momento tão difícil, respondemos ainda com mais luta, mais greve e
mais mobilização, no espírito de sepultar as ilusões com o governismo e de
construir alternativas que verdadeiramente interessem à classe trabalhadora do
país.
TEXTO 02
BASTA DE DILMA, CUNHA E
AÉCIO: CONSTRUIR A ALTERNATIVA DOS TRABALHADORES (12/10/2015)
A propósito do texto “A esquerda socialista e o impeachment”, divulgado pelo professor Luís Filgueiras como subsídio
a um debate que realizaria no CRH, valem algumas palavras a título de polêmica
com o eminente colega, professor titular da Faculdade de Economia e com larga
produção intelectual sobre o Brasil recente. Em primeiro lugar convém dizer da
importância de se debater a conjuntura nos termos colocados no presente momento
do país. Tal oportunidade se coloca no contexto de uma greve que atinge as IFES
há cerca de 120 dias, greve esta que se situa como anteparo aos ataques
desferidos pelo governo federal à educação pública no país só semelhantes
àqueles dos anos 1990, tempos dos governos de FHC. É preciso dizer da necessidade
de se estabelecer polêmicas francas com companheiros que na maior parte do
tempo estão ombro a ombro conosco na luta por uma universidade pública,
gratuita e de qualidade e por um Brasil mais justo.
A greve que ultrapassa quatro meses de duração se
insere numa conjuntura de imensa crise econômica e política. Nos últimos 120
dias o real foi substancialmente depreciado, com o dólar rompendo a barreira
dos R$ 4,00, o Brasil teve nota rebaixada numa das agências de risco que
retirou o grau de investimento no país, favorecendo ao movimento especulativo
nas bolsas, enquanto a inflação permanece acima do teto de 6,5% e as previsões
de redução do PIB são revistas para patamares ainda piores do que aqueles
anunciados no início do ano, sugerindo-se um longo período de recessão. Ao lado
da crise econômica uma crise política de grandes proporções parece ocupar as
pautas do governo, principalmente após as manifestações de 15 de março, 12 de
abril e 16 de agosto, quando setores abertamente de direita acaudilharam milhares
de pessoas para ocupar as ruas em protesto contra a corrupção e o governo
Dilma. Sobre o assunto, nem mesmo as manifestações convocadas pelo sindicalismo
e pelos movimentos sociais mais diretamente governista da CUT, CTB, da UNE e do
MST, com a última adesão do MTST e de setores majoritários do PSOL no dia
20/08, puderam oferecer alternativas de real e efetiva defesa do governo, dado
o seu caráter bastante minoritário se comparados aos atos da direita aqui
mencionados. Ou seja, enquanto a crise econômica avança e impõe ao governo a
necessidade de acentuar sua opção pelo setor financeiro, por vezes tendo que
preterir frações da burguesia em função dos acordos que priorizam o rentismo, a
crise política é, por vezes, arrefecida e por vezes recrudescida pelo fato de
que as negociações passam cada vez mais ao largo da repactuação sempre
necessária com os movimentos sociais que apoiam o PT, tornando o partido
“livre” para negociar apenas com os de cima, enquanto pretere os setores
subalternos.
A crise política que o país atravessa é de
grandes proporções, mas sua solução não pode ser pensada apenas nos termos que
as classes dominantes pretendem impor ao restante do país. Da parte dos
trabalhadores, o fato de que o governo do PT começa a sofrer sucessivas rupturas
que vão muito além do funcionalismo público que já havia rompido com o governo
ainda no primeiro mandato de Lula, deve ser considerado como um fato positivo.
Considerando que foi o sindicalismo governista o principal sustentáculo do
lulismo na última década e meia, não há porque considerar como regressivo a
ruptura que hoje vem se efetuando da parte de setores dos trabalhadores que
hoje emprestam irrisório apoio a um governo que só tem a lhe oferecer retirada
de direitos, ajuste econômico e opção pelos ricos.
Como é sabido, uma correta apreciação
da correlação de forças, se não deve subestimar as capacidades das classes
dominantes e dos agentes políticos em conflito e, consequentemente,
superestimar as reais possibilidades dos trabalhadores, não pode negligenciar a
dialética da luta de classes e das contendas em curso. Em vista disso, soa
estranho que o professor Filgueiras se refira às manifestações que no dia 18/09
ocuparam as ruas da capital paulista e de algumas cidades do país como atos que
são favoráveis ao impeachment e coincidem “com o objetivo maior das grandes
manifestações da direita econômica, política e moralista ocorridas nos últimos
meses no país”. Não parece adequado tomar manifestações que foram chamadas por
organizações sindicais, populares e partidárias do campo dos trabalhadores, que
portavam bandeiras e palavras de ordem típicas da nossa classe, com atos
convocados pelo Movimento Brasil Livre (MBL), Movimento Vem pra Rua, SOS Forças
Armadas e partidos como o PSDB e o DEM. Não parece correto dizer que camisas e
bandeiras vermelhas vestidas e envergadas por lutadores da CSP-Conlutas, da
ANEL, do PSTU, do PCB e setores do PSOL, além de diversas outras organizações,
se confundam com a tonalidade moralista e verde e amarela das manifestações das
direitas. Não se pode dizer que os manifestantes que foram às ruas no dia 18 e
que são os mesmos que protagonizam as greves dos serviços públicos, dos
metalúrgicos, dos rodoviários e metroviários, dos garis e de outras categorias
pretendam que a solução dos conflitos e da crise passe pelo impeachment da
presidente. Por certo há diferenças entre o “Basta de DILMA, PT, PSDB, PMDB” e
o chamado a uma greve geral feito pelos setores que compareceram às ruas no dia
18/09 e o tema anticorrupção e a defesa do impeachment que motiva os
manifestantes de 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto. Os trabalhadores
sabem da diferença de uma coisa e outra e o professor Filgueras também! Não
fosse assim a assembleia dos docentes da UFBA, que derrotou a proposta de ir para
as ruas no dia 20/09 por duas vezes, entendendo tratar-se de um ato
pró-governo, logo em seguida aprovou a participação nos atos do dia 18 na
expectativa de enfrentamento com o governo que ataca os trabalhadores.
Ou seja, se devemos fazer o debate, precisamos
começar por esclarecer o conteúdo das nossas diferenças, ainda que de forma
fraternal e respeitosa. É justo que o colega tenha dúvidas se a defesa do
“Basta de Dilma, Cunha e Aécio” é oportuno no momento; é possível que se esteja
desconfiado se as condições atuais e a correlação de forças são propícias para
que os trabalhadores coloquem uma bandeira de características ofensivas num
momento que pode indicar que devemos ficar na defensiva. As dúvidas são
legítimas e muitos militantes honestos tem questionado a este respeito, mas
onde é que está colocado que em política só há dois lados? Numa palavra, se há
contradições que determinam a existência de dois campos na política e essas
contradições não são mediadas pela relação capital-trabalho e pela luta de
classes, isso não é, em absoluto, um dado da realidade, mas uma interpretação
da qual discordamos.
A questão principal, portanto, não é
se estamos ou não a favor de Dilma e contra a direita, porque raciocinar assim
é dizer que devemos escolher entre o pior e o menos pior, ainda que não
possamos ter a certeza de quem é pior de fato se não experimentamos os dois.
Lutamos contra as direitas tradicionais e também aquela que está no governo,
mas lutamos principalmente contra nossos inimigos de classe do governo e de
fora dele. A questão é que os trabalhadores e suas organizações não podem ficar
à mercê do governismo e da oposição de direita, especialmente no momento em que
uma parcela significativa de lutadores começa a romper de fato com o governo
para propor alternativas. Pelo caminho proposto pelo professor Filgueiras, o
ideal seria compormos uma frente com os setores que estão fora do governo, com
aqueles que até ontem estavam no governo e mesmo com aqueles que não demonstram
real disposição de romper com o governismo, mas procuram se relocalizar
criticando pontualmente a política econômica de Dilma/Levy. Obviamente que o
que está em jogo, neste caso, é a possibilidade de reeditar o projeto
democrático-popular e salvar as figuras de Lula e dos parlamentares petistas, e
também do PCdoB, no momento em que o governo está bastante fragilizado e
loteando os cargos com o PMDB de Cunha, Temer e Renan para garantir a
governabilidade. A propósito, no último dia 05/10 mais uma vez os governistas
ocuparam as ruas, desta vez sob o argumento do defenderem a Petrobrás, mas o
ato da Frente Brasil Popular não pôde esconder seu caráter pró-governo.
O professor Filgueiras cita Maquiavel
e sua noção de fortuna e virtu para reivindicar as palavras magistrais
da abertura do texto O dezoito de Brumário de Luis Bonaparte, onde se
diz que “os homens fazem a história, mas não em condições de sua livre escolha,
mas em condições que lhe foram legadas pelo passado”. Se seguisse um pouco mais
adiante no texto, ainda no mesmo parágrafo, podia continuar citando Marx,
quando ele diz que “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um
pesadelo o cérebro dos vivos”. O colega tem razões de temer a volta da direita
e tem razões de supor que pode estar em curso um golpe à la Paraguai no Brasil,
afinal de contas, a lembrança de 31 de março de 1964, e o recente episódio que
culminou com a deposição do presidente Lugo no Paraguai, ainda é fresca entre
nós. Entretanto, o passado não pode oprimir nosso cérebro “como um pesadelo”,
porque precisamos tirar as lições da história para não repeti-la como farsa. Há
algumas semanas eu, o professor Filgueiras e mais dois colegas debatemos a
conjuntura e na altura eu argumentei que não me parecia provável que estejamos
em vias de sofrer um golpe. Sobre o assunto, em 16/08, escrevi:
É verdade que o forte descontentamento que desceu
às ruas nos últimos tempos é incentivado por setores burgueses. Quanto a isso,
não podem haver dúvidas de que os partidos burgueses tradicionais,
especialmente o PSDB e o DEM, mas também o PMDB, chantageiam permanentemente o
governo para que este assuma ainda mais intensamente uma agenda política
conservadora. Entretanto, parece ser preferível às classes dominantes evitar o
colapso do país, já que as possiblidades e de um golpe ou mesmo de um “golpe
branco” através do impeachment de Dilma Rousseff é por demais arriscada, pois
implicaria em risco de uma convulsão social de resultado incerto, pois se se
considera que o PT dispõe de uma base social bastante mais consolidada do que Jango,
seria improvável que qualquer medida intempestiva não desencadeasse um conflito
de grandes proporções.
As palavras ditas acima permanecem atuais, muito
embora os riscos e as possibilidades de impeachment, que devem ser medidos
semana a semana pelas frações burguesas descontentes com os rumos do governo,
precisam também ser avaliados por nós, da esquerda socialista. A novidade das
últimas semanas, entretanto, não é o recrudescimento da crise em função do
rebaixamento da nota do Brasil numa agência de risco ou ainda mais elementos
que robustecem a operação Lava-Jato. A novidade é justamente a entrada em cena
da classe trabalhadora, ainda que de maneira embrionária, ainda que de forma
minoritária, ainda que tendo muita desconfiança dos lutadores e dos setores
combativos que se expressam nas várias greves pelo Brasil. As lições do passado
devem nos servir para evitarmos o reboquismo, como ocorrido em 1964, quando as
forças populares depositaram todas as suas esperanças no governo de João
Goulart, bastante mais à esquerda do que o governo Dilma, diga-se de passagem.
Quanto a isso, não temos dúvidas de que a principal tarefa do momento é
sepultar as ilusões que ainda restam neste governo e tentar construir confiança
entre os trabalhadores, para que estes edifiquem a real e efetiva alternativa
que passa pela pavimentação do caminho até o poder. E se o percurso é tortuoso,
não há porque procurarmos atalhos, pois os passos só podem ser dados com as
nossas próprias pernas.
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