Basta de extermínio ao povo negro! Wagner e Dilma, não queremos novos Amarildos.
Jean Montezuma.
Secretaria de negras e negros BA.
Nas últimas
2 semanas duas marchas organizadas por entidades e organizações
ligadas ao movimento negro tomaram as ruas do centro de Salvador. Nas
faixas, cartazes e reivindicações, a mesma exigência: O fim do
genocídio ao povo negro e pobre. A escalada da violência em
todo o estado salta aos olhos e na região metropolitana da capital
um estudo feito em 2011 apontou que a cada 3 minutos e 20 segundos
uma pessoa é assassinada. A verdade é que a Região metropolitana
de Salvador é uma das mais violentas do país com uma taxa de 75,3
homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados
referentes apenas a Salvador apontam uma taxa de 54 homicídios
para cada 100 mil habitantes. Em Simões Filho os números em 2012
chegaram a assustadores 146 homicídios para cada 100 mil, dados que
concederam a cidade da região metropolitana de Salvador o ingrato
título de mais violenta do país.
As
vítimas tem raça e classe.
Recentemente
no Rio de Janeiro o caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo com
envolvimento direto de policiais militares gerou grande comoção e
ganhou espaço na mídia. Na região metropolitana de Salvador,
assim como em todas as grandes cidades brasileiras, existem inúmeros
Amarildos; muitos são os desaparecidos, inúmeros são os
assassinados. Crimes praticados diretamente pela policia ou pelos
famigerados grupos de extermínio que atuam impunemente, muitos deles
organizados por policiais civis e militares. A justificava dada é
sempre a mesma que já estamos cansados de ouvir: “suspeita de
envolvimento com o tráfico de drogas”.
O ano era
2010, Joel é um menino negro de apenas 10 anos de idade morador do
bairro de Amaralina em Salvador. O jovem se preparava para dormir
quando foi atingido no rosto por uma bala que saiu da arma de um
policial que junto com outros 8 policiais atiravam deliberadamente
contra as casas da rua do bairro pobre onde o garoto morava. Hoje
três anos depois os responsáveis por esse crime permanecem impunes.
É difícil encontrar uma pessoa, mesmo entre os que pertencem aos
setores médios da sociedade, que não conheça um caso de violência
na sua família ou com amigos. Todos os dias os jornais noticiam
crimes bárbaros; são assaltos, estupros, chacinas, crimes que
chocam a opinião pública. Porém, quando dizemos que no Brasil o
flagelo da violência tem raça e classe refere-se a constatação
concreta de que há uma política de segurança pública voltada para
a criminalização da pobreza incrementa por um racismo
institucionalizado.
A ideologia
que norteia os aparatos responsáveis pela segurança pública ainda
hoje carrega a herança preconceituosa dos séculos de escravidão,
preserva a repugnante mentalidade de que os negros são os agentes da
violência e não a toa em muitos cidades, apenas para citar um
exemplo simples porém relevante, a base dos retratos falados
continuam sendo as características fenotípicas atribuídas aos
negros. É como se diz na periferia de Salvador: “ Pra
polícia,branco correndo na rua tá com pressa. Preto correndo na
rua é ladrão”
Apartheid
disfarçado todo dia.
Segundo
dados do mapa nacional da violência os negros equivalem a 79% das
vítimas de homicídio. São jovens entre 18 e 25 anos, moradores da
periferia e a grande maioria sem passagem na policia. Outro exemplo
concreto do vínculo umbilical da questão raça/classe no que diz
respeito a violência é o ranking dos bairros considerados mais
violentos pela policia na grande Salvador. Bairros como Paripe,
Periperi, Beiru/Tancredo Neves, Arenoso, Pernambués e Liberdade,
possuem em comum o fato de sua população ser formada por
trabalhadores, pessoas de baixa renda, e na sua ampla maioria negros
e negras.
Resguardados
pela justificativa do combate ao crime organizado a policia quando
entra nesses bairros vai preparada para guerra. Não somos defensores
do tráfico, é bom que se diga que as custas da morte de milhares
de jovens negros e pobres o mercado paralelo das drogas e do
contrabando de armas movimenta milhões de dólares todos anos,
dinheiro que vai para o bolso dos grandes traficantes e financiadores
que não moram nas favelas. Porém, entre as facções criminosas e a
ação da policia militar nos posicionamos ao lado dos trabalhadores.
São os
trabalhadores e as trabalhadoras as maiores vítimas. São eles que
tem suas casas invadidas, suas vidas devastadas, seus filhos mortos
pelo tráfico, pelas drogas e muitas, muitas vezes pela policia. Se
observamos esses mesmos bairros tomados como exemplos veremos que não
por mera coincidência são os mesmos onde o poder público esta mais
ausente. A determinação que sobra na hora de invadir com as
viaturas desaparece na hora de construir escolas, postos de saúde da
família, creches, ruas pavimentadas, centros comunitários de
cultura e lazer e tantas outras ações imprescindíveis para
garantia de condições dignas de vida.
Uma das
facetas perversas do capitalismo fica visível quando examinamos que
os chamados “bolsões da violência” são justamente as regiões
das grandes cidades onde o IDH aponta para uma situação de
vulnerabilidade social. A única forma concreta de combater o
crescimento da violência é atingindo as suas raízes, a saber, as
desigualdades sociais engendradas pelo capitalismo.
Na contramão
dessa necessidade, o plano nacional de segurança desenvolvido nos
anos Lula e que segue sendo aplicado tem quase 90% de seu orçamento
dedicado a compra de armamento, munição, viaturas, helicópteros e
construção de presídios. Pergunto aos entusiastas do governo, cadê
a tão falada preocupação social? Enquanto Dilma em Brasília e
Wagner na Bahia governam com a mesma política de segurança pública
que outrora governaram FHC e Antônio Carlos Magalhães, os jovens
negros continuam morrendo, como diz a música do grupo o Rappa, num
“tribunal de rua, onde o cano do fuzil reflete o lado ruim do
Brasil”.
Uma vez
mais sobre o mito da democracia racial no Brasil.
Não são
poucos os ideólogos que sustentam a ideia de que no Brasil vivemos
uma democracia racial. Parte da esquerda, incluindo aí os mais
honestos estudiosos, que anteriormente questionavam essa tese
mudaram de opinião após os 10 anos de governo do PT. Afirmam que
após as políticas implementadas por Lula e Dilma se abriu um
processo de superação do racismo no Brasil. Esse processo seria
fruto de um maior compromisso dos governos petistas com a questão
racial e se basearia na ampliação de oportunidades ao povo negro.
É a
população negra a mais assistida com programas sociais como o bolsa
família e o minha casa minha vida. No âmbito da educação tem a
política de cotas e o PROUNI. Porém, os eufóricos defensores do
governo no âmbito da questão racial ficam sem palavras quando são
questionados sobre a diferença entre a fortuna que o governo entrega
todos os anos aos banqueiros, em forma de juros da dívida pública,
e o orçamento do bolsa família. Também dão voltas e não
conseguem explicar de forma satisfatória porque aos invés de
financiar as Universidades públicas e garantir uma radicalização
da aplicação das cotas, o governo opta por conceder isenção aos
barões do ensino que abrem as portas para que a juventude negra
ocupe as vagas ociosas das suas Uniesquinas. Por trás de sua faixada
progressiva o PROUNI esconde uma política de privatização do
ensino superior na medida em que estimula e financia o setor privado
ao mesmo tempo em que as Universidades públicas convivem com
orçamentos cada vez mais anêmicos.
O setor do
movimento negro que entrou de malas e bagagens nos governos federal e
estadual não consegue explicar o vexame que foi a aprovação do
Estatuto da igualdade racial. Após amargar anos e anos no Congresso
o Estatuto apresentado pelo movimento foi fatiado, remendado e teve
dele retirado inúmeros pontos fundamentais para os negros e negras.
No Brasil da
“democracia racial” ou, como preferem os governistas, o Brasil
que está “superando” o racismo, o Estatuto da igualdade racial
aprovado e celebrado não garante a posse de terras aos quilombolas,
não garante as cotas nos serviços públicos, exclui da sua redação
a existência dos mais de três séculos de escravidão no país,
diga-se de passagem um crime de falsificação histórica dos mais
abomináveis das história brasileira.
Basta de
extermínio! Não queremos novos Amarildos!
No último
dia 22 de agosto estivemos presentes nas inúmeras marchas da
periferia que levaram a bandeira da luta contra o genocídio do povo
negro para as ruas de várias capitais brasileiras. Em Salvador a
grande marcha se concentrou em frente ao quartel da policia militar e
depois ganhou as ruas até a praça da Piedade, tradicional palco de
manifestações da cidade, local onde os heróis negros da revolução
dos Búzios foram enforcados pelo governo colonial no século XVIII.
No caso
particular da Bahia é fundamental exigir do governo Wagner a
imediata investigação e julgamento dos casos de extermínio que
assolam nosso estado. Casos como o do menino Joel
não podem permanecer impunes. A policia baiana é número um em
homicídios no Brasil com a conivência do governo do PT e por isso,
é preciso uma nova política de segurança pública que deixe para
trás os absurdos gastos com armas e privilegie o investimento em
áreas sociais. É necessário por um fim a ação dos grupos de
extermínio com a prisão dos envolvidos e condenação mediante juri
popular. Também é preciso encarar o debate sobre a desmilitarização
da policia em prol de uma nova policia mais democrática, onde haja
liberdade de organização sindical para os policiais e controle por
parte da população.
Lutamos
sob a bandeira de raça e classe.
Malcon X, um
dos maiores mártires da luta negra no século XX, disse uma vez:
“Não há capitalismo sem racismo”. Essa frase simples
traz grandes consequências e uma profunda diferenciação até mesmo
no campo daqueles que lutam contra o racismo. No auge da luta negra
por direitos civis nos Estados Unidos Malcon concebia como
indissociáveis a luta contra o racismo como ideologia e o
capitalismo como sistema. Um amplo setor do movimento negro baiano e
brasileiro perdeu de vista essa questão abandonando a perspectiva
classista e colocando em seu lugar uma nova perspectiva, o
empoderamento.
Nutrimos um
verdadeiro ódio, de raça e classe, pelos racistas que não suportam
ver negros ocupando cargos de chefia ou alcançando perante a
sociedade um destaque distinto daquele que nos é atribuído nas
páginas policiais dos jornais. Porém, de forma fraterna fazemos aos
setores do movimento negro que adotaram a perspectiva conciliatória
do empoderamento como estratégia o seguinte questionamento: Pensando
em bairros como o da Liberdade em Salvador, é possível empoderar a
todos? O capitalismo realmente é capaz de dar igualdade de condições
sociais para todos os negros? E o que acontece com aqueles infelizes
que não se “empoderarem”?
E mais,
quanto aos “empoderados”, é possível nós negros utilizarmos as
engrenagens do regime democrático burguês e do estado capitalista
contra o próprio Capital? E quanto ao governo Obama? o mais
categórico exemplo de empoderamento resultou em transformações
progressivas para os negros? Tenha certeza que em relação a essa
última pergunta os Haitianos que tiveram sua autonomia roubada
pelos Estados Unidos com o apoio do exército brasileiro seriam os
mais indicados para responder e com certeza a resposta seria um
sonoro não!
Não é
possível combater o racismo a revelia da luta contra o capitalismo
pois a destruição deste é fundamental para a superação do outro.
Por isso lutamos sob a bandeira de raça e classe. O embate cotidiano
contra todas as manifestações do racismo é fundamental e deve
estar associado a estratégia classista e socialista de derrubada do
sistema capitalista junto com os seus governos e regimes que não
fazem outra coisa senão perpetuar as desigualdades e as contradições
que flagelam nosso povo.
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