Carlos Zacarias de Sena Júnior[1]
Em maio de 1947, o Partido Comunista Brasileiro (chamado, na época, de
Partido Comunista do Brasil) teve seu registro cassado. A manobra de cassação
da legenda do PCB veio no ensejo da Guerra Fria, mas não deixou de ter traços
do contumaz e recorrente anticomunismo verde e amarelo. Este deu o ar da graça
antes mesmo de Churchill pronunciar seu famoso discurso em Fulton, nos Estados
Unidos, devido ao imenso prestígio do PCB e de sua principal liderança, Luiz
Carlos Prestes.
A urdidura do processo que culminou na decisão do Superior Tribunal
Eleitoral (STE – as vezes chamado TSE) teve participação ativa das bancadas da
UDN e do PSD no Congresso constituinte eleito em 1945 e que contava com a
presença de 15 comunistas. Foi, todavia, o deputado Barreto Pinto, do PTB, que
intercedeu, junto ao ex-procurador do Tribunal de Segurança Nacional, Himalaya
Virgolino, fazendo uma representação ao STE pela cassação do registro do
partido de Prestes, alegando as posturas antipatrióticas dos comunistas.[2] Tal
alegação fazia alusão às posições de Prestes que tinha respondido a uma
provocação de Juracy Magalhães que lhe havia perguntado de que lado lutariam os
comunistas no caso de uma guerra entre o Brasil e a URSS. Prestes, então
secretário-geral do PCB e senador mais votado do país não deixou de enfrentar a
provocação, e respondeu: “Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e
empunharíamos armas para fazer a resistência em nossa pátria, contra um governo
desses, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo. Se algum governo
cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra
imperialista em guerra de libertação nacional”.[3]
A legenda do PCB foi cassada por três votos a dois e no seu parecer o
juiz Sá Filho, também relator do processo, deixou claro do que se tratavam as
denúncias e o seu anticomunismo latente, afirmando que logo após ser registrado
o PCB “passou a exercer ação nefasta, insuflando luta de classes, fomentando
greves, procurando criar ambiente de confusão e desordem”. Referindo-se a
eleição de uma importante bancada (a quarta maior da Constituinte) e os 10% dos
votos depositados no candidato Yedo Fiúza, representante do PCB no pleito
presidencial que deu a vitória ao general Eurico Gaspar Dutra (PSD), Sá Filho
arguia que o PCB não era um partido brasileiro, “mas dependente do comunismo
russo” e retomava o episódio acima referido em torno de uma eventual guerra da
URSS com o Brasil para concluir ser o “bastante para demonstrar a colisão do
partido com os princípios e direitos fundamentais do homem”.[4]
Qualquer um que conheça este período da história do Brasil sabe que o
processo de cassação da legenda do PCB só foi possível em função do sentimento
anticomunista que imperava, haja vista que a política do PCB durante a primeira
metade da década de 1940 foi justamente a de evitar as greves, temendo que as
paredes dessem margem à reação. Sob a inspiração da linha de União Nacional e
da consigna “ordem e tranquilidade”, pronunciada por Prestes em seu discurso no
estádio do Vasco da Gama poucos dias depois de sua libertação, em abril de
1945, os comunistas faziam de tudo para evitar as paralisações que acirravam a luta
de classes, entendendo que na hierarquia das contradições (teoria do campismo)
prevaleceria a luta entre a democracia e o fascismo, o que punha em segundo
plano a luta entre o capital e o trabalho.
Os comunistas entendiam, já em 1938, que era possível apoiar Getúlio
em “seus atos democráticos” e apostavam que o governo Vargas era um governo em
disputa entre setores progressistas e americanófilos (pró-estadunidenses),
representados pelo ministro Oswaldo Aranha, e os setores reacionários e
germanófilos (pró-alemães), representados pelos ministros Eurico Gaspar Dutra e
Góes Monteiro.
Os pecebistas pagaram um alto preço pela sua política de colaboração
de classes, justo num momento de grande ascensão das lutas populares e de
abertura de uma nova vaga revolucionária mundial, o que contribuiu, inclusive,
para a eleição de vários parlamentares comunistas no Brasil, o que também veio
a acontecer em outras partes do mundo. E de tanto acreditarem na democracia e
na luta parlamentar o PCB não apenas teve o seu registro cassado em maio de
1947, como viu todos os seus parlamentares serem também cassados em janeiro do
ano seguinte, isso sem que nenhuma mobilização de rua tenha sido registrada.
Os comunistas do PCB podem ter cometido muitos erros, mas não faziam
parte do governo central, não formavam a maior bancada do Congresso, não faziam
acordos espúrios com os partidos reacionários e não tinham ainda conseguido
consolidar uma central sindical no Brasil. Para completar, os comunistas ainda
perderam a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1945 nos marcos da
investida liberal e anticomunista iniciada naquele ano desde que o partido
havia se aproximado de Vargas e do seu governo com a palavra de ordem
“Constituinte com Getúlio”. Portanto do que se fala é de um partido que, mesmo
nos seus imensos erros, esteve sempre de um lado da trincheira, enfrentando as
adversidades e os duros anos de clandestinidade.
A propósito de um texto meu publicado na edição de 15 de março de 2013
no jornal A Tarde, Uma
lembrança para o Supremo, o
dirigente municipal do PT e membro da corrente O Trabalho, Paulo Riela,
escreveu um artigo Missãonobre do Supremo?, publicado no site da CUT-Bahia defendendo a tese da minha capitulação “frente à ameaça que paira
sobre todas as organizações sindicais e populares como a CUT, MST e UNE,
inclusive o partido que faz parte”. Arguindo que defesa que fiz de uma firme
posição do Supremo diante do julgamento do mensalão (Ação Penal 470), de quem
se espera uma atitude mais nobre do que aquela do STE de 1947/48, Riela defende
que esta minha posição faz coro com o PSDB “porta voz do imperialismo
estadunidense” e com as vozes da grande mídia brasileira que teria
“partidarizado o julgamento”. O dirigente petista afirma que a minha postura
“[e]stimula, ao invés de combater, o processo de judicialização da política em
curso no Brasil”.
Pelo seu artigo Riela se refere a fatos concretos de cotidiana e covarde criminalização
dos movimentos sociais e populares, mas se esquece de dizer que é no governo do
PT que este processo se intensifica. Cita fato ocorrido com o
presidente de um sindicato de trabalhadores rurais em Rondônia “condenado por
uma greve a 1.000 km de sua base ou no caso recente” e também o caso dos 72
estudantes da USP que estão sendo acusados de formação de quadrilha pelo
Ministério Público de São Paulo devido às manifestações que realizaram contra a
presença da Polícia Militar no campus.
Obviamente
que o petista não disse que entre os 72 acionados, existiam membros da ANEL, e
que estivemos ao lado dos presos dando todo o apoio político e jurídico
necessário. Também não se referiu ao caso da
desocupação de Pinheirinho, quando milhares de famílias foram despejadas sem
que nenhuma voz do Governo Federal tivesse condenado enfaticamente a ação da PM
de Geraldo Alckmin. Também não escreve um parágrafo sobre a repressão
nas obras do PAC, a exemplo do que aconteceu semana passada em Belo Monte, com
a invasão pela força nacional de segurança, reprimindo trabalhadores em greve a
mando do governo Dilma.
Por fim, Riela
parece não se dar conta de que a lei antigreve do funcionalismo, surgida desde
as jornadas de 2012, começa a ser seriamente pensada pelas mentes mais
“lúcidas” do petismo no Congresso. O petista faz uma manobra rasa ao tentar
articular minha posição com a defesa do Supremo, o que seria, em última
instância, uma defesa da justiça de classe no Brasil. Não obstante não explica
o porquê de o seu partido, que defendeu Renan Calheiros e Sarney, que se aliou
com Maluf e Collor e que tem acordos espúrios com o PSC de Marco Feliciano e a
bancada evangélica no Congresso, não mobiliza um décimo dos trabalhadores que
são representados pela CUT para lutar contra as mortes no campo, contra a
criminalização de sindicalistas e contra a humilhação que os governos petistas
impõem ao funcionalismo, inclusive o funcionalismo público da Bahia que
permanentemente se enfrenta com o governo de Jaques Wagner.[5]
Seria bom vermos a CUT empunhando bandeiras na defesa dos trabalhadores e não
apenas se manifestando contra a criminalização dos réus do mensalão, que devem
sim ser condenados pela justiça e terem também os seus mandatos cassados. Argumentar
a inexistência de provas é uma tentativa de tapar o sol com a peneira, uma
afronta à inteligência dos trabalhadores e ao sentimento da maioria dos
brasileiros que exige punição para os culpados. A tática da defesa de confessar
o crime de caixa dois é uma saída desesperada que mostra como infelizmente o
Partido dos Trabalhadores se atolou na mesma fétida lama dos partidos burgueses,
boa parte deles aliados de primeira hora dos petistas.
Todo o desespero do
petismo se relaciona ao isolamento do partido no caso do mensalão e à tentativa
dos governistas de evitarem que as lutas em 2013 repitam as jornadas de 2012.
Os governistas batalharam nas assembleias para evitar que os trabalhadores se
manifestassem em Brasília no dia 24/04 pela anulação da reforma da previdência
de 2004, comprada com o dinheiro sujo do mensalão e das negociatas do Congresso
e não se envergonham de defenderem o lobista José Dirceu e os demais
mensaleiros. Em vista disso, buscam subterfúgios para equiparar as
manifestações à esquerda às posições oportunistas dos reacionários da burguesia
brasileira que volta e meia se alia aos petistas contra os trabalhadores. Em
muitos casos o PCB lutou contra as greves, mas o fez sempre em função da política
do stalinismo e daquilo que acreditavam ser a defesa da URSS, a “pátria do socialismo”.
Pagaram um alto preço por isso, sendo os trabalhadores os principais
derrotados. Os petistas de hoje, em sua imensa maioria, lutam por cargos e
assessorias e ainda defendem um governo que criminaliza os movimentos sociais e
nem no plano nacional consegue se igualar ao moderado progressismo dos
nacionalismos burgueses do continente. É triste a
trajetória do petismo e de organizações que lhes dão total apoio, como a
corrente interna O Trabalho.
[1] Professor do
Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal da Bahia.
[2] Cf. SENA JÚNIOR,
Carlos Zacarias de. Os impasses da
estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil.
1936-1948. São Paulo: Annablume, 2009, p. 285.
[3] BRAGA,
Sérgio Soares (Org.). Luiz Carlos
Prestes; o constituinte, o senador (1946-1948). Brasília: UNB, 2003, p. 88.
[4] PCB, processo de cassação do registro (1947).
Belo Horizonte: Global Editora, 1980, p. 4.
[5] Após
enfrentarem uma greve de 116 dias em 2012, os professores da educação básica na
Bahia e os policais militares que fizeram uma paralisação de 15, realizaram
vigorosa campanha contra o candidato petista, o que ajudou a eleger ACM Neto (DEM) para comandar
Salvador.
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