Nove operários morreram em trágico acidente no último dia 9, devido à negligência de construtora e as más condições de segurança no trabalho
Monique Carneiro |
Cena da tragédia |
Crônica de uma morte anunciada
A morte dos operários foi causada pela queda de um elevador, chamado de “balança” pelos trabalhadores, que despencou do 20º andar (cerca de 80 metros). Segundo auditores do Ministério do Trabalho, uma peça que sustentava a roldana dos cabos do elevador foi rompida e o freio automático de segurança não funcionou, causando o acidente fatal. Os auditores apontam ainda que a causa das falhas possa ter sido a falta de manutenção periódica no elevador. A obra foi suspensa por tempo indeterminada, até que as condições de segurança sejam garantidas aos operários da obra.
A empreiteira, que ironicamente se chama Construtora Segura, declarou que o elevador estava em conformidade com as normas técnicas de segurança do trabalho. Mas a realidade revelada pelos trabalhadores da obra é outra. Segundo informações dos operários, eles próprios já haviam se queixado sobre os problemas de segurança do elevador. Em entrevista fornecida ao G1 Bahia, um dos operários comentou sobre o momento do acidente: “Eu já estava lá em cima, junto com mais de dez pessoas. Vi os cabos desenrolando, o pessoal falava que ele tinha defeito” . Apesar das inúmeras queixas dos trabalhadores, o equipamento vinha sendo utilizado regularmente, também em obras anteriores, sem que nenhuma medida fosse tomada.
Epidemia de lesões e acidentes fatais corre o país
Ainda em maio, dois operários da construção civil morreram e um ficou ferido após a queda de vigas metálicas sobre eles, também aqui em Salvador. Em abril, um alpinista industrial morreu imediatamente em queda provocada pelo rompimento do cinto e dos cabos de segurança, enquanto trabalhava no alto de uma das torres de granulação de uréia da FAFEN (empresa de fertilizantes da Petrobrás), no Pólo Petroquímico de Camaçari. Segundo site do SINTRACOM (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e da Madeira no Estado da Bahia), somente Salvador já soma 53 acidentes com 13 mortes este ano, apenas no setor da construção civil.
No país, até julho deste ano, de um total de 923 acidentes analisados pelo Sistema Federal de Inspeção no Trabalho, cerca de 30% ocorreram somente no setor da construção. Outro dado alarmante refere-se ao levantamento realizado pelo jornal O Globo, que contabilizou desde 2008 até março deste ano, 40 mortes em 21 grandes canteiros de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que, juntos, chegam a um investimento de R$ 105,6 bilhões.
Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que, desde 2003, o Brasil acumulou 1,3 milhões de acidentes de trabalho, dos quais 2503 resultaram na morte de trabalhadores de diversos ramos. Esses números colocam o Brasil no 4º lugar em número de mortes por acidente de trabalho no mundo, atrás dos três primeiros colocados: China, Estados Unidos e Rússia. Segundo o estudo, as causas básicas desses acidentes são o descumprimento das normas de segurança e as más condições nos ambientes e processos de trabalho.
Transformar a indignação em ação
Um dia após a tragédia, cerca de 2 mil trabalhadores da construção civil em Salvador paralisaram suas atividades por 24 horas e realizaram um protesto no local do acidente. A atividade, convocada por diversos sindicatos da categoria, denunciou a negligência dos empresários com relação à segurança do trabalho, em passeata até o cemitério Bosque da Paz, onde dois dos nove operários foram sepultados. Na ocasião do sepultamento, foi estimada uma participação de cerca de 3 mil trabalhadores. Outros 100 manifestantes paralisaram ao meio-dia a Estação da Lapa, o principal terminal rodoviário da cidade; além disso, manifestações também ocorreram na Avenida Paralela, na Avenida Juracy Magalhães e na Rótula do Abacaxi.
Os operários de Salvador, indignados, seguiram o exemplo dos trabalhadores da construção civil este ano, que não ficaram de braços cruzados e se puseram em luta contra o descaso, os abusos das empreiteiras e da omissão dos governos frente à precariedade de suas condições de vida e trabalho. Neste ano, cerca de 100 mil trabalhadores estiveram mobilizados contra as condições precárias e os acidentes e mortes nas obras do PAC – a exemplo dos trabalhadores da hidrelétrica do Rio Madeira em Jirau e Santo Antônio (RO), da refinaria de Pecém (CE), do pólo petroquímico de Suape (PE), unidade de tratamento de gás em Caraguatatuba (SP) e hidrelétrica de Mato Grosso do Sul.
A CSP-Conlutas, em solidariedade aos familiares e amigos das nove vítimas, publicou uma nota em que reafirmam “a ganância dos empresários e a conivência e inércia dos governantes” como pano de fundo da situação, exigindo a defesa das vidas dos operários e o fim das mortes nos canteiros de obras.
É necessário que os trabalhadores se unam para lutar, indo além da denúncia das más condições de trabalho e expondo também o contexto que colabora para esse quadro: o boom da construção civil e a crescente especulação do setor imobiliário; o duro regime de trabalho imposto pelas grandes empreiteiras; e a política de incentivo dos governos às construtoras e de abandono dos trabalhadores, que ficam privados de seus direitos e têm suas vidas usadas como combustível desse tal “crescimento econômico do país” que, na real, beneficia os ricos e poderosos.
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