quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Sobre o cartaz racista da prefeitura de Santo Amaro

|Por Jean Montezuma, de Salvador (BA)

A prefeitura de Santo Amaro, cidade do Recôncavo baiano, postou ontem, 12 de janeiro, no seu perfil oficial no facebook um cartaz de divulgação da Lavagem da Purificação, tradicional festa da cidade que mobiliza a população todos os anos. A postagem causou impacto imediato pois transformou-se instantaneamente em mais um triste exemplo de como o racismo está enraizado em nossa sociedade.

O cartaz chama atenção por representar na sua ilustração apenas pessoas brancas, maioria loiras, um convite direcionado centralmente para os turistas. Só tem um “pequeno” problema, Santo Amaro é uma cidade de maioria negra, que fica no Recôncavo baiano, onde no passado as fazendas que produziam cana e tabaco movidas a mão de obra negra escravizada tiveram um papel determinante para a própria formação da cidade e para a economia da Bahia.

A presença negra hoje e no passado de Santo Amaro é algo que não pode ser de modo algum negligenciado. Ou a prefeitura esqueceu o papel dos negros e negras de Santo Amaro e de todo Recôncavo na luta pela independência da Bahia e do Brasil? Ou a prefeitura também esqueceu da contribuição negra a cultura da cidade? Esqueceu do samba de roda, das irmandades e que, acima de tudo, a própria festa da Lavagem da Purificação tem uma profunda identidade com os negros e negras que com ela contribuíram ao longo de gerações?

Ao que nos parece toda essa contribuição dos negros não tem a menor importância para prefeitura. Em sua resposta as críticas feitas por diversos internautas a assessoria de comunicação da prefeitura conseguiu piorar ainda mais as coisas. Vejamos o que disseram: “Não existe racismo ou preconceito algum. Todo radicalismo e extremismo perde a razão no momento que você desrespeita a visão do outro. Pense ao contrário, se o cartaz fosse apenas com pessoas negras, as pessoas brancas poderiam se sentir ofendidas e fazer a mesma critica que você? Somos contra qualquer tipo de preconceito, racismo, estereótipo, ofensas, radicalismo e extremismo. Respeitamos sua opinião, entretanto, você deveria ter mais cuidado ao julgar pessoas, instituições e o governo municipal como preconceituoso. Em nosso município, Estado e país, somos uma linda mistura de raças e cores”.

Essa declaração absurda que não consegue reconhecer aquilo que parece óbvio, absoluta negação de representatividade e invisibilidade do povo negro da cidade, está amparada no perverso mito da democracia racial. Por isso, a assessoria se sente à vontade para dissimular dizendo que não há racismo pois vivemos numa cidade, estado e país onde há uma “linda mistura de raças e cores”. E vão além, acusando de racistas aqueles botam o dedo na ferida e denunciam o racismo. Tiveram a coragem de indagar aos internautas como os brancos se sentiriam vendo um cartaz apenas com negros, sugerindo que da parte de quem criticou o cartaz haveria uma espécie de “racismo reverso”.

Esses tipos de argumentos não são novos, são parte do “clássico arsenal” de quem sustenta que o racismo no Brasil só existe na cabeça dos negros e negras, que vivemos numa democracia racial, e que as diferenças entre brancos e negros no Brasil de hoje não tem nenhuma relação com a formação histórica do país. Nós pensamos o contrário, nos somamos aos negros e negras e aos setores do movimento que denunciaram esse absurdo. O racismo é um mal que se manifesta todos os dias com as mais variadas formas indo desde a violência policial - não nos faltam tristes exemplos desse verdadeiro genocídio praticado pelo Estado através da policia contra a juventude negra - até situações como esse cartaz que nega aos negros e negras o básico direito de se sentirem representados.

O que fez a prefeitura de Santo Amaro, que é dirigida pelo petista Ricardo Machado, é racismo sim, e a argumentação feita pela sua assessoria só reforça essa violência. Como uma vez disse a psicanalista, escritora e militante Neusa Santos, ser negro no Brasil é um “tornar-se negro”. Com ela concordamos porque num país onde o racismo é tão cruel que até o direito a identidade nos é negado, assumir, reivindicar e lutar pela valorização da nossa negritude é também um ato de resistência.

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