|Por
Roberto Aguiar, geógrafo e militante do PSTU/BA
Desde
agosto do ano passado, a prefeitura deu início ao processo de revisão do Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador – PDDU* (Lei nº 7.400/2008),
assim como da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação Urbana do Solo – LOUOS (Lei
nº 3.377/84). Como nas demais médias e grandes cidades brasileiras, o
planejamento urbano da capital baiana, apresentado pelo prefeito ACM Neto
(DEM), é excludente, voltado para o mercado, atendendo unicamente os interesses
do grande capital imobiliário.
A
minuta do PDDU desconsidera a cidade como o espaço onde se desenrola e ganha
sentido à vida cotidiana, como construção humana, produto histórico-social de
uma série gerações. Toda a lógica do PDDU é baseado apenas no uso espaço urbano
e sua apropriação pelo setor imobiliário, isto é, condiciona o uso do espaço da
cidade à sua condição de mercadoria. Não é à toa que logo no artigo 8º, §2º, a minuta
afirma que função social da propriedade é um direito de usufruto reservado a
proprietários. Nessa lógica, a cidade de Salvador se resume à restrita parcela
de pessoas que têm propriedade imobiliária. Logo, a maior parte da população que
vive em condições de informalidade, sem acesso à terra urbanizada, alijada de
direitos sociais e humanos fundamentais e do direito à cidade, está excluída do
PDDU.
A
exclusão é tão absurda que diante a mais de 500 páginas da minuta, o tema
racial está sintetizado em apenas três parágrafos. Salvador é a cidade mais
negra do País, 51,7% da população, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE/Censo 2010). A maioria esmagadora da população
negra reside nas periferias, morros e encostas. Em bairros onde há maior
carência de infraestrutura técnica (redes de abastecimento, iluminação, esgotamento)
e social (escolas, postos de saúde, áreas de lazer). A proposta de PDDU é
manter o povo negro e pobre nesta situação, garantindo o avanço da população
branca e rica nos espaços dotados de infraestrutura e belas paisagens naturais,
como a orla do Atlântico.
A
proposta de PDDU é tão absurdamente voltada ao grande capital imobiliário que
retrocede em medidas adotadas no PDDU de 2007-2008. É o que ocorre com assentamentos
de população remanescente de quilombos e comunidades tradicionais vinculadas à
pesca e a mariscagem. Simplesmente, exclui a referência cultural negra dos
quilombolas e das comunidades tradicionais.
Quanto
aos imóveis subutilizados ou vagos, a minuta simplesmente ignora este tema. De
acordo com os dados do Censo de 2010, a cidade de Salvador tem 101.297
domicílios vagos. Seria possível requalificar, restaurar e garantir moradia
popular a quem precisa, utilizando parte significativa desses imóveis. Mas não
poderemos esperar uma proposta dessa magnitude de ACM Neto. A temática é
simplesmente ignorada, sendo que a Região Metropolitana de Salvador tem um
déficit de 128,6 mil habitações, sendo que 75% desse total está concentrado na
sede da região metropolitana. Salvador tem, portanto, um déficit habitacional
de 93 mil habitações, o quarto maior do país, menor apenas que São Paulo, Rio
de Janeiro e Brasília, como aponta os dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
O
favorecimento ao capital imobiliário é tão descarado que a proposta de PDDU
permite o sombreamento de praias, a ausência de regras para a verticalização da
cidade, a construção de prédios no entorno de parques urbanos e a supressão de
3,5 mil hectares de espaços de proteção ambiental. A coisa é tão feia que até
as determinações do indecente Estatuto das Cidades e da Lei Orgânica de Salvador
são desrespeitadas.
Lutar para barrar o
PDDU
Sem
dúvida nenhuma esta proposta de PDDU não serve ao povo pobre, negro e
trabalhador de Salvador. ACM Neto e sua turma sabem disso, não por acaso todo o
projeto vem sendo enfiado goela abaixo da sociedade com a ajuda de seus
secretários e da bancada de vereadores governistas. Audiência públicas de mentira
foram convocadas só para cumprir a agenda e dizer que ouviu a população, quando
na verdade esta se quer foi convocada para debater.
A
tarefa que cabe aos movimentos sociais e às organizações da esquerda socialista
e combativa é lutar para impedir a aprovação deste projeto. O primeiro passo é
organizar uma frente de luta que organize debates e mobilizações com os setores
excluídos por este projeto, ou seja, com a maioria da população.
Nesse
debate não podemos deixar de compreender a cidade enquanto realidade material, revelada
através do conteúdo das relações sociais que lhe dão forma. Relações sociais
essas que se revelam na ocupação diferenciada e desigual do espaço urbano. O
capitalismo deu ao espaço urbano um caráter econômico, elemento de realização
da produção do capital. Logo, os projetos urbanos apresentados pelos
governantes estarão à serviço desta lógica da reprodução do capital, do espaço
urbano como mercadoria.
Cabe
a nós o dever de apresentar um programa que caminhe na lógica inversa, que
apresente uma saída na lógica da classe trabalhadora. Devemos levantar a
bandeira do fim da especulação imobiliária, expropriando os terrenos destinados
a este fim para construir escolas, hospitais, casas populares e creches
públicas; expropriação dos imóveis subutilizados e fechados, destinando-os à
moradia popular; valorização e requalificação das áreas históricas, quilombolas
e tradicionais; projeto de mobilidade urbana que parta pela municipalização do
transporte público, com tarifa social e passe livre para os estudantes e
desempregados; defesa dos espaços de proteção ambiental, proibindo a construção
de obras em seu em torno.
Só
assim poderemos apresentar uma outra concepção de cidade e de espaço urbano,
partindo do pressuposto das necessidades sociais do povo pobre e trabalhador,
rompendo com a lógica mercadológica do capital e seus governos de plantão.
*Alguns dados deste artigo foram retirados
do site – www.participasalvador.com.br
0 comentários:
Postar um comentário